O setor imobiliário viveu momentos de grande abundância no período de
2005 a 2014. Com o desemprego em níveis historicamente baixos, crédito farto e
juros menores, obstáculos não existiam para que os compradores vissem a
oportunidade de adquirir a tão sonhada casa própria. A extinção dos
compromissos de compra e venda por inadimplemento do comprador não era um
problema para as construtoras.
Caso o consumidor apresentasse dificuldades na obtenção do financiamento
bancário para firmar o acordado quanto ao pagamento do saldo do preço, ou mesmo
com a desistência da compra por outras dificuldades ou razões, as construtoras
não tinham grandes dificuldades para extinguir o compromisso de compra e venda.
Podiam devolver grande parte ou quase a totalidade do valor pago pelo
comprador, já que para vender novamente esse imóvel não haveria empecilhos.
Os pedidos de extinção do compromisso de compra e venda aumentaram
exponencialmente com a atual crise econômica. O cenário é de pouca oferta de
crédito. Há créditos com juros altos e a análise da capacidade financeira do
consumidor é feita de forma muito mais rigorosa. Isso sem falar no desemprego.
Outra consequência desse cenário foi a queda na demanda pela aquisição
de imóveis, o que acarretou na redução considerável do seu preço. Com grande
estoque de unidades, as incorporadoras passaram a ofertar os imóveis com
consideráveis descontos, muitas vezes com valores mais baixos em relação ao que
o consumidor adquiriu há pouco tempo antes no mesmo empreendimento. Isso também
tornou muitos negócios celebrados totalmente inviáveis de serem mantidos.
Assim, diante de tal cenário de crise no mercado imobiliário, várias
foram as razões para justificar o pedido de extinção do compromisso de compra e
venda por parte do comprador. Muitas construtoras não tiveram condições de
celebrar as extinções dos compromissos de compra e venda, nos mesmos moldes
antes praticados, o que fez com que vários consumidores se insurgissem,
buscando o Poder Judiciário para a solução da questão. E isso visando receber
percentuais elevados entre 80% e 90% dos valores pagos, já que havia
precedentes nesse sentido, embora a jurisprudência majoritária assentava-se em
devolução de 70%. Essas decisões díspares, que em muitas situações prejudicaram
as construtoras, considerando-se o volume de rescisões pleiteadas, resultavam
da ausência de legislação sobre extinção contratual em compromissos de compra e
venda por inadimplemento do comprador.
Considerando a importância da construção civil no país, que movimenta
maciçamente a economia e emprega milhões de trabalhadores, houve uma forte
pressão do setor imobiliário, no sentido de exigir do Poder Legislativo
providências para regulamentar a questão. Assim, desde 27 de dezembro de 2018,
como resposta a essa demanda do setor imobiliário, está em vigor a Lei 13.786 —
que altera as leis 4.591 de 16 de dezembro de 1964 e 6.766 de 19 de dezembro de
1979, para disciplinar a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente
de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo
urbano.
Embora o fator determinante do grande movimento de extinções contratuais
de compromissos de compra e venda seja resultado da crise econômica que assolou
todo o país, é inegável que, para outra parcela de promitentes compradores, a
conveniência em conseguir a devolução de quase totalidade dos valores pagos,
por conta das decisões díspares do Judiciário, foi o fator atrativo. Isso
equivale a dizer que a ausência legislativa regulamentadora da questão
contribuiu em muito para a insegurança jurídica no setor, ora havendo abusos
por parte das construtoras, objetivando devoluções ínfimas aos compradores, ora
por parte destes, querendo o recebimento de valores extremamente altos,
desconsiderando todo o custo da operação.
Há muito vem se discutindo acerca dos percentuais a serem devolvidos aos
promitentes compradores, nas hipóteses de extinção contratual, quando estes dão
causa ao pedido de extinção. É inegável que essa discussão e, consequentemente,
a insegurança jurídica gerada, são frutos da ausência de legislação a respeito.
Embora a jurisprudência majoritária estivesse firmada no sentido de
considerar razoável a devolução de 70% dos valores pagos, existiam decisões que
consideravam como razoável devolução de 80% ou 90% desses valores, gerando
essas decisões díspares, consequentemente, uma enorme insegurança jurídica.
Tais decisões desconsideraram totalmente o novo cenário de crise
econômica, que afetou sobremaneira o setor imobiliário e o outro lado da
relação contratual, onde estão as próprias construtoras que empregam muitos
trabalhadores e que estão com um estoque altíssimo de unidades, sem contar as
despesas que estas geram. Isso significa que muitas construtoras estão
descapitalizadas para devolver percentuais elevados aos promitentes
compradores, destacando-se que os valores pagos por eles na aquisição da
unidade habitacional são destinados à construção desta unidade (compra de
materiais, mão de obra, impostos e administração), bem como a toda despesa da
operação.
A lei recentemente concebida contribuirá para uma maior segurança
jurídica nas relações contratuais imobiliárias, se considerarmos ser ela uma
barreira para abusos por parte das construtoras e também um freio para os
compradores. Há consumidores que, com atitudes muitas vezes impensadas e na
certeza de receberem valores substanciais na hipótese de insucesso da
contratação, celebram compromissos de compra e venda sem o mínimo de prudência
e critério em relação à viabilidade e manutenção do negócio. Eles compram sem a
certeza de que podem arcar com um financiamento imobiliário e com todo o custo
da operação que é bastante oneroso em nosso país.
Embora a nova lei, num primeiro olhar, pareça onerar excessivamente o
comprador, ela servirá para formar relações contratuais mais sólidas. Isso
porque trará para o negócio contratual compradores muito mais conscientes não
somente sobre as penalidades, mas também sobre as responsabilidades de adquirir
um imóvel. Isso equivale a dizer que a regulamentação da questão será um freio
para contratações impensadas por parte dos promitentes compradores, para abusos
cometidos por parte das vendedoras e para decisões díspares por parte dos
nossos juízes. A lei não permitirá, inclusive, que o princípio da autonomia da
vontade, basilar das relações contratuais, seja desrespeitado.
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