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sexta-feira, 30 de junho de 2017

EMPRESA DEVE PAGAR R$ 160 MIL DE INDENIZAÇÃO POR VENDER MESMO TERRENO PARA DOIS CLIENTES

A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) decidiu, nesta quarta-feira (28/06), pela manutenção da decisão que condenou a Visão Empreendimentos Imobiliários ao pagamento de indenização moral de R$ 20 mil por vender o mesmo terreno para clientes distintos. Também terá de pagar R$ 140 mil a título de reparação material. A relatora do processo foi a juíza convocada Marlúcia de Araújo Bezerra.
De acordo com a apelação (nº 0513158-40.2011.8.06.0001), uma engenheira de pesca adquiriu, em 1986, lote de terra em Aracati, distante 148 km de Fortaleza. Depois de pagar totalmente o valor, recebeu da empresa recibo de quitação, mas não lavrou a escritura por questões financeiras.
Devido a problemas de saúde, a proprietária resolveu vender o bem, pela quantia de R$ 140 mil, operação a cargo de corretora de imóveis. No entanto, a venda não foi concretizada porque a Visão Empreendimentos havia transferido o lote para outra empresa do ramo imobiliário.
Em setembro de 2011, a engenheira entrou com pedido de reparação de danos morais e materiais. Na contestação, a Visão defendeu que não houve venda em duplicidade, mas alterações no loteamento em razão de requerimento do município de Aracati. Com isso, a realocação não traria prejuízos aos compradores, que iriam adquirir outros lotes em condições mais vantajosas. Sustentou ainda ter ocorrido falha de comunicação com a cliente.
No mês de novembro de 2015, o juiz Roberto Ferreira Facundo, da 29ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, condenou a imobiliária a pagar R$ 140 mil pelos danos materiais e R$ 20 mil como reparação moral. Segundo o magistrado, a consumidora passou por transtornos. “Não se diga que se trata de fato cotidiano, pois há o vexame, o constrangimento, a humilhação, a impotência de ter negada uma venda de imóvel próprio.”
Na apelação, a empresa argumentou ausência de ato ilícito alegando inexistência de culpa. Afirmou ainda que a cliente não teve qualquer prejuízo.
No julgamento do recurso, a sentença foi mantida, conforme entendimento da magistrada relatora do caso. “Incontroverso é que a promovida [Visão Empreendimentos] alienou pela segunda vez referido lote de terra, sem aquiescência da primitiva compradora, consoante certidão inserta na página 34/35, emanada do Cartório do 2º Ofício da Comarca de Aracati/CE, atestando a propriedade do lote.”
Também integram a 3ª Câmara de Direito Privado do TJCE os desembargadores Jucid Peixoto do Amaral (presidente), Maria Vilauba Fausto Lopes e Lira Ramos de Oliveira. Na sessão desta quarta foram julgados outros 61 processos.


quinta-feira, 29 de junho de 2017

TJ-RS RECONHECE PATERNIDADE PÓSTUMA A PEDIDO DE AVÓS DA CRIANÇA

O Tribunal de Justiça do Rio Grande  do Sul vem reconhecendo, ao mesmo tempo, a filiação biológica e afetiva nos registros de nascimento, com todos os seus efeitos jurídicos, incluindo os vínculos de parentesco com os dois pais ou as duas mães. Assim, se houver concordância das partes e for do interesse do menor, é possível também o reconhecimento póstumo de paternidade biológica em pedido feito pelos avós, mesmo que este direito seja personalíssimo do pai da criança.
O fundamento levou a 8ª Câmara Cível da corte gaúcha a reconhecer a paternidade biológica póstuma, pedida originalmente pelos avós da criança e, ao mesmo tempo, manter sua paternidade registral. Com a decisão, o colegiado determinou a inclusão do sobrenome do pai biológico e os nomes dos avós paternos.
Como os avós se ofereceram para ajudar na pensão alimentícia, em pedido feito em conjunto com a mãe do menor, o colegiado também homologou o acordo de obrigação alimentar. O valor a ser repassado para mãe, mensalmente, corresponde a 25% do salário mínimo. O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão de 27 de abril.
A pretensão dos avós havia sido derrubada na primeira instância. O juízo entendeu que a demanda não poderia prosseguir, porque o reconhecimento espontâneo de filiação é direito personalíssimo que se extinguiu com a morte do pretenso pai biológico, quando o menor contava com dois anos de idade.
Processo peculiar
O relator da Apelação, desembargador Rui Portanova, observou que se trata de um “caso peculiar”, já que os pedidos da petição inicial são feitos pela mãe do menino, pelo pai registral e pelos avós biológicos paternos. As partes (representadas pela Defensoria Pública) entraram em acordo prévio para solicitar o reconhecimento do “estado de multiparentalidade”.

Portanova ponderou que os avós, sucessores do homem morto, não poderiam pleitear tal reconhecimento, que era direito personalíssimo do filho. Mas, por outro lado, não existe impedimento que o menor, por meio de representante legal, busque o reconhecimento de sua ancestralidade por meio da investigação genética com prova via DNA — o que ocorreu em sede de Apelação neste processo, confirmando o laço biológico.
Conforme o desembargador, o fato de os sucessores do filho concordarem com a demanda do neto, figurando como “verdadeiros assistentes simples iniciais”, não desnatura o procedimento investigatório de paternidade. Também não exige que eles passem a figurar na condição de réus na relação jurídica processual, dada a ausência de pretensão resistida. Isso porque o que conta é o interesse do menor, que deseja obter o reconhecimento de sua ancestralidade e fazê-la constar em seu registro de nascimento.
Evolução social
O desembargador Portanova citou parecer do Ministério Público, segundo o qual, as legislações tendem a se adaptar à evolução da sociedade. O parecer destaca que a filiação não decorre, exclusivamente, do parentesco consanguíneo. É que o artigo 1.593 do Código Civil considera o parentesco natural ou civil; ou seja, pode resultar de consanguinidade ou de outra origem. Ressalta, ainda, que a Constituição proíbe discriminação com relação à filiação, como sinaliza o artigo 227 no seu parágrafo 6º.

“Ademais, não se há como ignorar a possibilidade jurídica conferida aos recorrentes de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais”, encerrou o procurador do MP no parecer, fundamentação agregada às razões decidir do colegiado.



quarta-feira, 28 de junho de 2017

FRAUDE PARA OBTER FINANCIAMENTO DE IMÓVEL NÃO É ESTELIONATO

Como o financiamento tem destinação e finalidade específica, a fraude para sua obtenção não pode ser considerada estelionato. Dessa forma, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou sentença que condenou um homem por fraude na obtenção de empréstimo bancário para o financiamento de um imóvel em Minas Gerais.
O homem foi condenado em primeiro grau à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão por conseguir um financiamento imobiliário junto à Caixa Econômica Federal com a utilização de documentos falsos.
Ele apelou ao TRF-1 tentando obter a desclassificação do delito do artigo 19 da Lei 7.492/1986 (obter financiamento mediante fraude) para o previsto no artigo 171 do Código Penal (estelionato), que tem pena menor.
“Os crimes previstos na Lei 7.492/1986 são de mão própria, e tem como sujeito ativo controlador ou administrador de instituição financeira, o que não corresponde à situação do réu”, argumentou. Entretanto, o relator do recurso de apelação, o desembargador federal Ney Bello rejeitou a tese.
Ele disse que, uma vez que o contrato fraudulento envolvia a liberação de valores com destinação específica, a conduta se encaixa o tipo previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86 e não ao delito de estelionato. Ele citou no voto tanto um precedente do Superior Tribunal de Justiça como do seu tribunal.
“O objeto jurídico tutelado pelo artigo 19 da Lei 74.92/1986 é o patrimônio das instituições financeiras e, em razão disso, pode ser lesado tanto por administradores quanto por pessoas físicas”, disse Bello.
A autoria e materialidade do crime ficaram comprovadas por documentos como laudo papiloscópico, contrato particular de compra e venda, contrato de financiamento, declarações de renda, depoimentos testemunhais e o interrogatório do réu.
A presença dos requisitos do artigo 44 do Código Penal fez o desembargador substituir a pena privativa de liberdade por multa de um salário mínimo e prestação de serviços à comunidade. O colegiado acompanhou o voto do relator e deu parcial provimento à apelação apenas para conceder ao réu a assistência judiciária gratuita.


terça-feira, 27 de junho de 2017

DOUTRINA NEM JURISPRUDÊNCIA RECONHECEM PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A AMANTES

É curioso como em direito de família atualmente vive um jogo de palavras em que se pretende mudar a natureza das coisas por meio de eufemismos. É verdade que no mundo politicamente correto as palavras têm mais importância que as ações. Nunca valeu tanto o dito popular “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”.
Causa espanto, por exemplo, a tentativa de substituição do termo concubinato por famílias simultâneas ou paralelas, como se o primeiro fosse necessariamente um xingamento. E mais, levando a crer que estes novos conceitos colocariam em xeque a monogamia – uma temerária confusão.
Como o Direito é o território da pluralidade de pensamentos, resolvi compartilhar minhas divergências. Há muito já escrevi, com base nas ricas lições de meu mestre Álvaro Villaça Azevedo, que concubinato tem por significado, a partir do grego assimilado pelo latim, copular, manter relação sexual, deitar-se com.
Assim, efetivamente a concubina é, tradicionalmente, a amante do homem casado e o concubino o amante da mulher casada. Note-se que se o casamento acabou de fato (por meio da separação de fato) ou houve separação judicial (que pôs fim à sociedade conjugal, mas não ao vínculo) não se fala em concubinato, mas sim em união estável (art. 1723, parágrafo primeiro).
Então vem uma pergunta: concubinato é sinônimo de “famílias paralelas ou simultâneas” como entende nosso amigo e Presidente do IBDFAM Rodrigo da Cunha Pereira? [1]
A resposta é negativa e várias são as razões. Darei número a cada uma delas.
1 – Concubinato não se refere apenas às pessoas casadas que tenham um amante. Concubinato, definido pelo art. 1727, e a relação não eventual de pessoas impedidas de se casar.
Dois irmãos que vivam como se casados fossem são concubinos. O pai e a filha que vivem como se casados fossem são concubinos. Note-se que não são “famílias paralelas”. O impedimento do incesto gera concubinato e apenas isso. Qual termo utilizaria a lei para a união de irmãos ou pais e filhos que se comportam como se casados fossem? O “politicamente incorreto”, mas tecnicamente perfeito termo concubinato.
2 – Concubinato não significa existência de famílias paralelas. Existem pessoas que são casadas e têm um amante ou uma amante. Não há famílias paralelas, mas apenas sexo. Dou um exemplo. Um homem casado e uma mulher casada (o mesmo vale para dois homens e duas mulheres), todas as quartas-feiras vão juntos a um motel para sexo apenas. É uma relação não eventual que não gera famílias paralelas.
3 – Concubinato não significa existência de famílias paralelas – parte 2. Existem pessoas casadas que tem amantes. E isso não configura família paralela. Ela é executiva de renome e contrata como assessor um rapaz. Ela é casada e ele solteiro (o mesmo vale para dois homens ou duas mulheres). Durante as viagens de trabalho e no expediente, o casal se ama com paixão e furor. Após as horas de sexo ele encontra sua namorada e ela regressa ao marido. É uma relação de concubinato em que não há família paralela.
4 – Nem toda “família paralela” gera concubinato. Existem homens casados que tem duas famílias. Muitas vezes, em razão de profissão, o homem viaja e passa períodos fora de casa. Se ele constituir uma relação não eventual com outra mulher ou homem, que ignora a existência do casamento, temos a chamada união estável putativa e o companheiro enganado terá todos os efeitos da união estável. Na realidade, sequer há uma família paralela: há duas famílias igualmente protegidas.
5 – Existem famílias paralelas ou simultâneas? Na realidade ambos os termos são infelizes e discriminatórios. Explico. Se um homem tiver filhos com duas mulheres, ou uma mulher com dois homens, haverá duas famílias e nenhum adjetivo pode ser utilizado. Não há hierarquia entre essas famílias e todos os filhos, como filhos que o são, recebem a mesma proteção.
O que existe, na realidade, é relações entre pessoas (de mesmo ou diferente sexo) simultâneas ou paralelas. Não família. O homem casado que tem uma amante tem uma relação paralela, mas não família. Ela é concubina. Assim como a mulher casada que tem um amante tem uma relação paralela e não família.
Daí porque dizer que o concubinato é palavra mais que adequada para definir as pessoas casadas com seus amantes por dois motivos: os filhos não merecem a pecha de serem família paralela, pois são filhos e o amante não é companheiro, pois conhece o impedimento matrimonial e dele sabe não advir vantagens.
Uma reflexão provocativa vem à tona: a concubina ou concubino (amante da pessoa casada), com ou sem filhos havidos com o amante, faria jus à pensão alimentícia?
Pelo texto expresso do Código Civil a resposta é negativa. Pela leitura que o STF fez do Código Civil a resposta também é negativa.[2] Para alguns, que ouso dizer não refletem a totalidade ou quiçá a maioria dos membros do IBDFAM a resposta também é negativa (Viva a pluralidade de pensamentos!).
Para outros a resposta é afirmativa com base no princípio constitucional da solidariedade. Se o homem e a mulher tiveram uma relação estável, mesmo na qualidade de amantes, ele não poderia se “locupletar”, tendo apenas vantagens dessa relação. O raciocínio padece de falhas diversas.
A primeira é que ninguém se locupletou de ninguém. Não se pode invocar o princípio do “coitadismo”. Os dois mantiveram uma relação que lhes foi conveniente, logo não há qualquer razão para dessa relação nascerem efeitos na seara familiar. Não há vítima nem vilão. Há duas pessoas que dividiram emoções e momentos, sabendo que aquela relação era estranha à família.
A segunda e mais séria: se se fixar alimentos em favor dos amantes, esquece-se que o grande prejudicado será o cônjuge enganado. Explico. Se o juiz condena o homem casado a pagar alimentos à sua amante, apesar de ambos terem praticado o ilícito conjuntamente, é a esposa deste que acaba pagando a conta.
A esposa ou marido, que sequer sabia que seu marido ou esposa tinha uma amante ou um amante, que manteve o dever de fidelidade, verá parte das economias familiares (de seu dinheiro, indiretamente) ser destinado ao amante ou à amante. O prejuízo direto pode ser do cônjuge que traiu, mas o indireto é do cônjuge que foi traído.
Em suma, antes de se pensar em direitos da amante ou do amante, deveria o sistema pensar nos direitos do cônjuge enganado que recebe dupla punição: ter ciência da traição e pagar a conta dela.

É por isso que é perfeita a orientação da doutrina majoritária e da jurisprudência: não há dever de prestar alimentos entre os concubinos, ou decorrentes de relacionamentos paralelos.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

TERCEIRIZADO DA CAIXA É CONDENADO POR DESVIAR DINHEIRO DE FGTS DE CLIENTES

Um ex-funcionário terceirizado da Caixa Econômica Federal foi condenado por peculato por desviar R$ 80 mil de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de dois clientes. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
De acordo com o Ministério Público Federal, o denunciado obteve acesso à senha pessoal do gerente da Caixa, o que propiciou a transferência dos valores desviados para suas contas bancárias e, assim, teve acesso ao dinheiro sacado e que custearam a compra de uma moto.
Para os magistrados, a autoria e a materialidade do crime ficaram comprovadas pelas provas documental e testemunhal, produzidas na fase administrativa, policial e ratificadas em juízo contra o acusado.
“Assim, há motivo, provas e fundamentos suficientes à reforma da sentença absolutória e condenação do denunciado, mais do que demonstrado o dolo em sua conduta”, destacou o relator do processo, desembargador federal Souza Ribeiro.
Para o magistrado, a sentença de primeira instância se fundamentou unicamente nas palavras do réu, em seu interrogatório, e desconsiderou as outras provas dos autos. O relator afirmou em seu voto que a dúvida suscitada na decisão foi exclusivamente quanto ao acesso do denunciado à senha pessoal do gerente da Caixa, o que, por si só, não seria suficiente para descaracterizar a autoria do crime.
“Uma pessoa inocente não acorda com mais de R$ 80 mil em sua conta bancária, gasta mais de R$ 8 mil ou saca R$ 30 mil no mesmo dia, mormente se desconhecia que tinha essa alta quantia à sua disposição. Pior ainda, nenhum inocente abandona seu emprego apenas por não se entender bem com um superior hierárquico, mudado de São Paulo para um estado do Nordeste, sem pedir demissão e sem qualquer explicação para sair literalmente fugido de sua vida para uma nova realidade”, salientou.
Por fim, a 2ª Turma condenou o ex-funcionário à prestação de serviços à comunidade, por ser primário e sem antecedentes criminais, que serão determinadas pelo Juízo da Execução Penal, e pena pecuniária no valor de três salários mínimos, nos termos do artigo 44 do Código Penal.


sexta-feira, 23 de junho de 2017

FRAUDE PARA OBTER FINANCIAMENTO FRAUDE PARA OBTER FINANCIAMENTO DE IMÓVEL NÃO É ESTELIONATODE IMÓVEL NÃO É ESTELIONATO

Como o financiamento tem destinação e finalidade específica, a fraude para sua obtenção não pode ser considerada estelionato. Dessa forma, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou sentença que condenou um homem por fraude na obtenção de empréstimo bancário para o financiamento de um imóvel em Minas Gerais.
O homem foi condenado em primeiro grau à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão por conseguir um financiamento imobiliário junto à Caixa Econômica Federal com a utilização de documentos falsos.
Ele apelou ao TRF-1 tentando obter a desclassificação do delito do artigo 19 da Lei 7.492/1986 (obter financiamento mediante fraude) para o previsto no artigo 171 do Código Penal (estelionato), que tem pena menor.
“Os crimes previstos na Lei 7.492/1986 são de mão própria, e tem como sujeito ativo controlador ou administrador de instituição financeira, o que não corresponde à situação do réu”, argumentou. Entretanto, o relator do recurso de apelação, o desembargador federal Ney Bello rejeitou a tese.
Ele disse que, uma vez que o contrato fraudulento envolvia a liberação de valores com destinação específica, a conduta se encaixa o tipo previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86 e não ao delito de estelionato. Ele citou no voto tanto um precedente do Superior Tribunal de Justiça como do seu tribunal.
“O objeto jurídico tutelado pelo artigo 19 da Lei 74.92/1986 é o patrimônio das instituições financeiras e, em razão disso, pode ser lesado tanto por administradores quanto por pessoas físicas”, disse Bello.
A autoria e materialidade do crime ficaram comprovadas por documentos como laudo papiloscópico, contrato particular de compra e venda, contrato de financiamento, declarações de renda, depoimentos testemunhais e o interrogatório do réu.
A presença dos requisitos do artigo 44 do Código Penal fez o desembargador substituir a pena privativa de liberdade por multa de um salário mínimo e prestação de serviços à comunidade. O colegiado acompanhou o voto do relator e deu parcial provimento à apelação apenas para conceder ao réu a assistência judiciária gratuita. 



quinta-feira, 22 de junho de 2017

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PODEM SER DESCONTADOS DE VERBAS IMPENHORÁVEISComo

Como os honorários de advogados têm natureza alimentar, podem ser descontados inclusive de verbas impenhoráveis dos devedores. Com esse entendimento, baseado no novo Código de Processo Civil, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou, no fim de abril, decisão que constringe 10% do valor da dívida de cerca de R$ 19 mil de uma empresa para o pagamento dos honorários.
Em 2016, a Caixa Econômica Federal havia entrado com ação contra a empresa pedindo o pagamento da dívida ou a penhora total de bens para garantir o ressarcimento do valor. A Justiça Federal de Novo Hamburgo negou a penhora completa, pois, de acordo com o Código de Processo Civil, quantias menores que 40 salários mínimos são impenhoráveis. A decisão, no entanto, permitiu que 10% do valor da dívida fosse retido até o fim do processo para pagar os honorários advocatícios.
A empresa recorreu ao tribunal. Alega que a impenhorabilidade dos valores já foi reconhecida e que não existe nenhuma exceção.
O relator do caso na 4ª turma, desembargador federal Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, manteve a decisão, sustentando que o CPC reconhece a exceção quando a penhora é feita para pagamento de prestações alimentícias. "Os honorários advocatícios constituem verba de natureza alimentar, sendo possível, nesse caso, a penhora dos vencimentos do devedor, para a satisfação do débito", afirmou o magistrado. 



quarta-feira, 21 de junho de 2017

ENTENDA O GOLPE DE MESTRE DE JOESLEY BATISTA VIA TEORIA DOS JOGOS

O empresário Joesley Batista deu um xeque-mate. Fez uma jogada de mestre. A perplexidade de alguns contracena com a ação eficiente de Joesley, sócio da JBS, para salvar seu grupo empresarial e sua liberdade, típica de quem domina a lógica do novo modelo de compra e venda de informações. Farei uma análise via Teoria dos Jogos, tema que tenho procurado estudar[1]. Sou favorável à delação premiada, embora reconheça que há certa ambiguidade e ausência parcial de regras claras sobre o modo de produção desse modelo negocial. Para entender o êxito da estratégia definida por Joesley e seus advogados, seguirei o seguinte trajeto:
1) as investigações estavam chegando aos interesses de seu grande conglomerado empresarial, cujos lucros foram de R$ 4,6 bilhões em 2015 e de R$ 694 milhões em 2016, sendo necessário agir para (i) manter a vitalidade da empresa e (ii) mitigar os efeitos da ação penal sobre a liberdade dos sócios;
2) para obter a estratégia dominante/dominada, abrem-se duas táticas: (i) passiva: aguardar o desenrolar das investigações, tomando-se medidas preventivas, arriscando-se em um processo penal cujos estragos seriam postergados no tempo (que custa dinheiro), com a real possibilidade de sanções patrimoniais e principalmente a prisão dos envolvidos internamente, dentre eles Joesley; (ii) ativa: agir para produzir material capaz de ser trocado no mercado da delação premiada, atualmente em pleno funcionamento no sistema processual penal brasileiro. A escolha foi pela segunda opção, lançando-se a campo. Na avaliação de riscos, a tática adotada é a dominante para qualquer um que pense como um “homem de negócios”;
3) adotada a tática ativa, surge a necessidade de que as informações tenham valor de troca, ou seja, de que seja possível chamar a atenção dos compradores (Ministério Público e Polícia Federal) pela qualidade e relevância, bem assim do fator impacto de seu conteúdo;
4) inventariar a informação exigia um duplo movimento entre o passado e o futuro. De um lado, levantou-se o que tinha de informação capaz de chamar a atenção dos compradores e, por outro lado, diante da oportunidade de consolidar as informações produzindo gravações que seriam a prova real, agiu de modo eficiente. O portfólio de provas a se mostrar foi bem desenhado, contando com a coprodução de agências estatais, capazes de atestar a regularidade e a cadeia de custódia: ação controlada, monitoramento do dinheiro por chip etc. Como bom negociador do mercado, o delator sabia que precisava de algo raro, valioso e irrefutável;
5) no atual contexto, nada melhor do que gravações de conversas para causar o impacto direto, irrefletido, imediato e avassalador. Se não há o produto, seria necessário o criar. A produção de material probatório então precisava de uma estratégia de aquisição que, habilmente, contou com o planejamento estratégico de ações, coordenadas para comprovação das conversas, devidamente gravadas, a entrega de dinheiro, previamente identificado e com localização por chip eletrônico, tudo para comprovar a cadeia de custódia do dinheiro. Delineado o curso tático, promoveu-se com pleno êxito, juntando-se, em ordem: a) conversas gravadas indicando a realização das condutas; b) efetivação das ações programadas; c) filmagens e monitoramento eletrônico do trajeto do dinheiro; c) preservação das fontes e do material produzido;
6) a consolidação do material de alto valor fez com que fosse possível, invertendo a tendência passiva, a negociação dos termos finais da delação, mediante cooperação, pagamento de multa relevante, mas incapaz de impedir a continuidade das atividades, evitando-se, ainda, a prisão. Xeque-mate desferido, rei encurralado, delação homologada, segue-se adiante com novos desafios do mercado. Aliás, com informação privilegiada sobre corte de juros e alta do dólar, o que fez o nosso personagem: utilizou a informação para operar seus interesses, “rifando” o Brasil, como aponta o jornal Valor Econômico.
Os juristas do processo penal baunilha não entendem muito bem como isso se passa. Tenho insistido em ler o processo penal pela via da Teoria dos Jogos justamente para indicar um design de compreensão dos processos penais reais, cujo palco probatório deixou de ser no Poder Judiciário, para se resolver na fase de investigação, onde uma gravação vale ouro, a saber, gravações são o novo Habeas Corpus.
O império da tecnologia e das múltiplas possibilidades de gravação fizeram com que, se alguém quer agir de modo a se precaver ou se garantir, deva começar a gravar tudo e todos, em qualquer situação, dado que isso pode ter valor no futuro. Não se trata mais de produção de verdades, mas, sim, de pura análise de custo-benefício em face de um processo penal transformado em um balcão de negócios de compra e venda de informações, pena e liberdade.
P.S. Você pode ser perguntar por que alguns meios de comunicação que sempre defenderam os protagonistas, agora, inverteram o jogo. A questão é meramente econômica: a) a informação é relevante e com gravações, hot notícia; b) quem der o furo da informação ganha mais acessos e melhora a audiência; c) a JBS é um anunciante importante aos meios de comunicação; d) na análise de custo-benefício, não há questões morais ou éticas; e) quando o time está perdendo, economicamente, vale a pena mudar de lado e ganhar. Eis o jogo do mercado midiático. Ler Ramonet ajudaria a compreender.




terça-feira, 20 de junho de 2017

COBRANÇA DE MULTA SOBRE BASE DE CÁLCULO AUMENTADA POR JUROS É ILEGAL

A cobrança de multa calculada sobre base de cálculo majorada pelos juros moratórios em vigor no Estado de São Paulo consiste em prática arbitrária e ilegal da Fiscalização, segundo recente posicionamento de diversos juízes do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda Estadual (TIT-SP).
É certo que ao deixar de cumprir com suas obrigações, o contribuinte está sujeito ao pagamento do imposto devido e às multas previstas em lei. Contudo, no Estado de São Paulo, as autoridades fiscais insistem em aplicar os juros moratórios previstos na legislação estadual sobre a base de cálculo das multas a partir de seus respectivos fatos geradores, mesmo sem haver previsão legal para essa prática.
A conduta da fiscalização estadual faz com que o valor a ser exigido seja distorcido, alcançando patamares que deixam de ser razoáveis. A título exemplificativo, vale observar hipótese em que determinado contribuinte receba, em abril de 2017, auto de infração para cobrança de R$ 100,00 de ICMS, que deixaram de ser pagos em abril de 2012, sendo aplicada a multa de 50% do valor do imposto pela falta do recolhimento. Nesse caso, na autuação, será exigida multa no valor de R$ 86,28, já que a base de cálculo da multa corresponderia a R$ 172,55, justamente em razão da Fazenda estadual considerar que a base de cálculo da multa deve corresponder ao valor do principal atualizado pela taxa dos juros moratórios estaduais.
Segundo os representantes fazendários, esse procedimento encontraria amparo na interpretação conjunta dos artigos 85, prágrafo 9º, e 96, inciso II, da Lei Estadual do ICMS (Lei 6.374/89) e do artigo 565, parágrafo 4º do Regulamento do ICMS (RICMS-SP”). Contudo, apenas o dispositivo do RICMS-SP determina que a atualização do valor básico para cálculo da multa será efetuada com base nos juros de mora a partir do fato que deu origem ao imposto.
Ocorre que o artigo 85, parágrafo 9º, da Lei 6.374/89 prevê tão somente que os valores das multas devam ser atualizados, atualização essa que deveria ocorrer pela aplicação de índice de correção monetária, o que não existe mais no Estado de São Paulo desde 1º de janeiro de 1999, quando a Lei 10.175/98 suspendeu a atualização monetária dos débitos fiscais. Já o artigo 96, inciso II, Lei 6.374/89, dispõe que os juros sobre a multa devem incidir apenas a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura da autuação.
Não havendo previsão de índice de correção monetária na legislação estadual, não há que se falar em aplicação dos juros moratórios. Os juros moratórios possuem natureza distinta da correção monetária. Enquanto os primeiros visam indenizar o credor pelo prejuízo no atraso do pagamento do imposto, a segunda visa preservar o valor do patrimônio. Assim, tem-se como demonstrado a ausência de previsão legal para a aplicação de juros de mora sobre a base de cálculo da multa e, por consequência, a ilegalidade do artigo 565, parágrafo 4º do RICMS-SP, que extrapola o conteúdo da legislação estadual.
Nesse sentido, vale observar que existem recentes decisões do TIT-SP que passaram a reconhecer a ilegalidade dessa prática. Cite-se aqui trecho de voto vencedor em julgado da 12ª Câmara do TIT-SP, em que foi reconhecido que “a previsão do artigo 85, parágrafo 9º da Lei 6.374/89, segundo o qual as multas ‘devem ser calculadas sobre os respectivos valores básicos atualizados’, não pode ser aplicada sobre uma atualização monetária inexistente. Aqui o termo ‘atualização’ deve ser equiparado a ‘correção’, e não a juros, ante a grande diferença entre esses (juros) e aqueles (atualização e correção)”.
Nesse mesmo julgado, foi reconhecido que “ainda que se pudesse equiparar ‘atualização’ a ‘juros’, o cálculo efetuado pela fiscalização esbarraria no obstáculo do artigo 96, que veda qualquer aplicação de juros sobre a multa até o segundo mês subsequente ao da lavratura do AIIM. Ora, se a aplicação dos juros sobre a multa não pode ocorrer até essa data (segundo mês subsequente ao da lavratura do AIIM), não se pode, evidentemente, sustentar a incidência de juros em período anterior à lavratura do AIIM”.
Vale ressaltar ainda que esse entendimento é compartilhado pela 10ª Câmara do TIT-SP que reconhece que o RICMS-SP “extrapolando sua esfera de competência (...), determinou a incidência da multa sobre o valor do principal após sua submissão aos juros moratórios disciplinados na Lei 13.918/09”.
Muito embora ainda não haja decisão definitiva da Câmara Superior do TIT-SP, que reconheça a impossibilidade da aplicação dos reconhecidamente abusivos juros de mora previstos na legislação paulista sobre a base de cálculo das multas, o crescimento do número de julgados, ainda que se trate decisões não definitivas, pode sinalizar futura alteração no entendimento majoritário do tribunal em favor dos contribuintes. É importante que os contribuintes continuem a contestar esse procedimento fiscal para que o tema seja debatido no âmbito do TIT-SP e para que assim possam surgir mais precedentes favoráveis.


segunda-feira, 19 de junho de 2017

FRAUDE PARA OBTER FINANCIAMENTO DE IMÓVEL NÃO É ESTELIONATO


Como o financiamento tem destinação e finalidade específica, a fraude para sua obtenção não pode ser considerada estelionato. Dessa forma, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou sentença que condenou um homem por fraude na obtenção de empréstimo bancário para o financiamento de um imóvel em Minas Gerais.
O homem foi condenado em primeiro grau à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão por conseguir um financiamento imobiliário junto à Caixa Econômica Federal com a utilização de documentos falsos.
Ele apelou ao TRF-1 tentando obter a desclassificação do delito do artigo 19 da Lei 7.492/1986 (obter financiamento mediante fraude) para o previsto no artigo 171 do Código Penal (estelionato), que tem pena menor.
“Os crimes previstos na Lei 7.492/1986 são de mão própria, e tem como sujeito ativo controlador ou administrador de instituição financeira, o que não corresponde à situação do réu”, argumentou. Entretanto, o relator do recurso de apelação, o desembargador federal Ney Bello rejeitou a tese.
Ele disse que, uma vez que o contrato fraudulento envolvia a liberação de valores com destinação específica, a conduta se encaixa o tipo previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86 e não ao delito de estelionato. Ele citou no voto tanto um precedente do Superior Tribunal de Justiça como do seu tribunal.
“O objeto jurídico tutelado pelo artigo 19 da Lei 74.92/1986 é o patrimônio das instituições financeiras e, em razão disso, pode ser lesado tanto por administradores quanto por pessoas físicas”, disse Bello.
A autoria e materialidade do crime ficaram comprovadas por documentos como laudo papiloscópico, contrato particular de compra e venda, contrato de financiamento, declarações de renda, depoimentos testemunhais e o interrogatório do réu.
A presença dos requisitos do artigo 44 do Código Penal fez o desembargador substituir a pena privativa de liberdade por multa de um salário mínimo e prestação de serviços à comunidade. O colegiado acompanhou o voto do relator e deu parcial provimento à apelação apenas para conceder ao réu a assistência judiciária gratuita. 



quarta-feira, 14 de junho de 2017

TJ-RS RECONHECE PATERNIDADE PÓSTUMA A PEDIDO DE AVÓS DA CRIANÇA

O Tribunal de Justiça do Rio Grande  do Sul vem reconhecendo, ao mesmo tempo, a filiação biológica e afetiva nos registros de nascimento, com todos os seus efeitos jurídicos, incluindo os vínculos de parentesco com os dois pais ou as duas mães. Assim, se houver concordância das partes e for do interesse do menor, é possível também o reconhecimento póstumo de paternidade biológica em pedido feito pelos avós, mesmo que este direito seja personalíssimo do pai da criança.
O fundamento levou a 8ª Câmara Cível da corte gaúcha a reconhecer a paternidade biológica póstuma, pedida originalmente pelos avós da criança e, ao mesmo tempo, manter sua paternidade registral. Com a decisão, o colegiado determinou a inclusão do sobrenome do pai biológico e os nomes dos avós paternos.
Como os avós se ofereceram para ajudar na pensão alimentícia, em pedido feito em conjunto com a mãe do menor, o colegiado também homologou o acordo de obrigação alimentar. O valor a ser repassado para mãe, mensalmente, corresponde a 25% do salário mínimo. O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão de 27 de abril.
A pretensão dos avós havia sido derrubada na primeira instância. O juízo entendeu que a demanda não poderia prosseguir, porque o reconhecimento espontâneo de filiação é direito personalíssimo que se extinguiu com a morte do pretenso pai biológico, quando o menor contava com dois anos de idade.
Processo peculiar
O relator da Apelação, desembargador Rui Portanova, observou que se trata de um “caso peculiar”, já que os pedidos da petição inicial são feitos pela mãe do menino, pelo pai registral e pelos avós biológicos paternos. As partes (representadas pela Defensoria Pública) entraram em acordo prévio para solicitar o reconhecimento do “estado de multiparentalidade”.

Portanova ponderou que os avós, sucessores do homem morto, não poderiam pleitear tal reconhecimento, que era direito personalíssimo do filho. Mas, por outro lado, não existe impedimento que o menor, por meio de representante legal, busque o reconhecimento de sua ancestralidade por meio da investigação genética com prova via DNA — o que ocorreu em sede de Apelação neste processo, confirmando o laço biológico.
Conforme o desembargador, o fato de os sucessores do filho concordarem com a demanda do neto, figurando como “verdadeiros assistentes simples iniciais”, não desnatura o procedimento investigatório de paternidade. Também não exige que eles passem a figurar na condição de réus na relação jurídica processual, dada a ausência de pretensão resistida. Isso porque o que conta é o interesse do menor, que deseja obter o reconhecimento de sua ancestralidade e fazê-la constar em seu registro de nascimento.
Evolução social
O desembargador Portanova citou parecer do Ministério Público, segundo o qual, as legislações tendem a se adaptar à evolução da sociedade. O parecer destaca que a filiação não decorre, exclusivamente, do parentesco consanguíneo. É que o artigo 1.593 do Código Civil considera o parentesco natural ou civil; ou seja, pode resultar de consanguinidade ou de outra origem. Ressalta, ainda, que a Constituição proíbe discriminação com relação à filiação, como sinaliza o artigo 227 no seu parágrafo 6º.

“Ademais, não se há como ignorar a possibilidade jurídica conferida aos recorrentes de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais”, encerrou o procurador do MP no parecer, fundamentação agregada às razões decidir do colegiado.


terça-feira, 13 de junho de 2017

CRIAR FUNÇÃO DO JUIZ DE GARANTIAS É APRIMORAR PROTEÇÃO DO INDIVÍDUO

A experiência mostrou na Comarca de São Paulo as vantagens de se formar um grupo de juízes, com competência para controlar a legalidade de inquéritos policiais e atos da polícia judiciária. Depois de tantos anos, parece difícil contestar a importância de se ter um juiz criminal dedicado a resolver questões inerentes ao inquérito policial, bem como a conferir isonomia na relação entre acusação e defesa desde o início das investigações criminais. 
O magistrado está ali para examinar, a todo tempo, a aplicação das provisões legais atinentes ao procedimento investigatório voltado a apurar materialidade e autoria delitivas. Cumpre a ele determinar, a pedido do Delegado de Polícia, do Ministério Público, ou do defensor, eventuais medidas cautelares que importem ao esclarecimento da verdade e à proteção do suspeito, ou investigado, ou mesmo da vítima. 
Tal papel de legitimador do procedimento investigativo inclui os poderes necessários para relaxar a prisão em flagrante, determinar a fiança e converter a prisão provisória em medida cautelar diversa. Atua, portanto, em cuidadosa preservação da liberdade jurídica do indivíduo, a afastar abusos na persecução penal. 
Até aqui, parece se reafirmarem algumas obviedades para aqueles que militam na Justiça Penal. Todavia, cumpre se sugerirem novas razões para se expandir a outros Estados e àJustiça Federal a figura do Juiz de Garantias, questão aberta até aqui na reforma pontual do Código de Processo Penal. 
Dois aspectos novos indicam a necessidade de separar o juiz penal, competente para o inquérito policial, daquele com competência para ação penal. 
De um lado, o juiz penal que determina busca e apreensão, intercepção telefônica, bem como medidas cautelares restritivas ao ir e vir cria vínculo com a forma como conduzidas tais providências no inquérito policial, assim como com o conteúdo probatório por elas trazido. Tem pouca capacidade de revisar os erros cometidos quando tais são levados a debate na instrução criminal e, não raro, atribui excessiva credibilidade aos resultados da investigação criminal em que atuou, o que tende a retirar a eficácia do artigo 135, do Código de Processo Penal. 
Vê-se, portanto, que o juiz penal - envolvido em demasia com as investigações na primeira fase da persecução penal - acaba por perder a imparcialidade, pois não julga a ação penal com a equidistância necessária do Ministério Público, nem com a isenção de espírito imprescindível para o exame da prova. 
De outro lado, há a questão da colaboração processual, introduzida pela Lei 12.850/13. Em realidade, a constitucionalidade desse novo instituto alicerça-se no reconhecimento de se tratar o negócio jurídico processual como ato intrínseco ao exercício da ampla defesa. O indivíduo e seu defensor técnico optam por barganhar com o acusador público, com o fim de reduzir as consequências penais e processuais penais, inerentes ao enfrentamento do processo judicial até o respectivo trânsito em julgado da sentença condenatória. 
Ora, a guarda de documentos, bem assim dos anexos com nomes de possíveis envolvidos e dados factuais, confessados e descritos pelo colaborador, deveria ser de juiz penal, até mesmo para a proteção do sigilo das informações e acervo probatório. Não bastasse, no curso da negociação do acordo de delação premiada, acusador público e defensor poderiam dirimir com juiz imparcial questões formais inerentes ao procedimento, bem como resolver problemas quanto a cautelares anteriores ao pré-acordo de colaboração processual. Além disso, ao magistrado caberia impulsionar a realização do acordo, com o fim de preservar o procedimento de delação premiada de dilações indevidas, da demora de Ministério Público e defesa técnica. 
Deixar tudo a cargo do titular da ação penal, sem controle jurisdicional simultâneo ao evoluir do procedimento de colaboração premiada, tira a harmonia da relação bilateral entre acusação e indivíduo envolvido com a persecutiocriminis, o qual pode, por exemplo, estar a sofrer com as falhas de seu defensor, sem que ninguém possa lhe proteger. Pode-se argumentar que juiz penal pode negar-se a homologar o acordo entabulado entre Ministério Público e defesa, mas difícil acreditar na capacidade de ele vir a conhecer como se deu a negociação, aonde ocorreu o equívoco da defesa, a arbitrariedade ou a ilegalidade.
A natureza pública do procedimento de colaboração processual, inserto na ampla defesa, exige a inafastabilidade da atuação de juiz de direito, apto a proteger o indivíduo em todas as fases de desenvolvimento do acordo. Como se isolar do andamento da negociação o juiz penal que decretou a prisão cautelar do investigado? E se o acordo fracassar por falha de Procurador da República, ou Promotor de Justiça, quem se submeteu ao procedimento de colaboração processual não tem direito público subjetivo a celebrar o acordo de colaboração por determinação judicial, caso reconhecida a falha?
Não se permite ao jurista oferecer respostas simplistas para questões tão atuais e complexas, como também não se devem engessar as reflexões frente a novos problemas. Instituir a função do juiz de garantias na primeira fase da persecução penal significa aprimorar a proteção do indivíduo, bem assim conferir maior controle da legalidade estrita na investigação criminal. Em tempos de delação premiada, significa oferecer equilíbrio de forças na negociação, sem perigos para a imparcialidade na jurisdição.



segunda-feira, 12 de junho de 2017

CONSTRUCARD NÃO É TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL, DECIDE 4ª TURMA DO STJ

A linha de crédito para compra pessoal de material de construção da Caixa Econômica Federal não é título executivo extrajudicial. Esse é o entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento, por unanimidade, a recurso especial que contestava execução de contrato em razão da ausência de título executivo extrajudicial.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, considerou que o Contrato Particular de Abertura de Crédito a Pessoa Física para Financiamento de Material de Construção (Construcard), da Caixa Econômica Federal, precisa de exequibilidade, pois no momento da assinatura do instrumento pelo consumidor não há dívida líquida e certa.
Além disso, destacou Salomão, os valores eventualmente utilizados são documentados unilateralmente pela própria instituição, sem qualquer participação ou consentimento do cliente.
O Construcard é uma linha de crédito oferecida pela Caixa Econômica Federal para a compra de material de construção, reforma ou ampliação de imóvel residencial, para as pessoas físicas, por meio de cartão magnético.
Falta de liquidez
Segundo o relator, mesmo com as divergências que têm sido observadas nos tribunais regionais federais sobre a interpretação conferida à natureza jurídica do Construcard, o STJ tem tentado minimizar essas controvérsias. Para Salomão, a solução está na forma de apuração da liquidez do título apresentado.

“Realmente, o presente contrato, mesmo atrelado a uma nota promissória, traz insitamente a falta de liquidez, uma vez que a definição do valor devido dependerá, sempre e sempre, de apuração com base em fatos e provas”, destacou.
Para o ministro, quando não há certeza e liquidez no próprio instrumento do contrato, exigências que não são alcançadas mediante a complementação unilateral do credor com a apresentação de extratos bancários, pois não é possível criar títulos executivos à revelia do devedor, o contrato de abertura de crédito carece de exequibilidade. 


sexta-feira, 9 de junho de 2017

A POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DAS EXECUÇÕES PELA IMOBILIDADE DO CREDOR

Sempre que se verifica a hipótese de prescrição intercorrente na denominada fase de cumprimento de sentença ou do processo de execução, o juiz deve extinguir o respectivo processo. E não poderia ser diferente, a princípio. Afinal, a prescrição intercorrente nada mais é do que o reconhecimento da perda do direito de ação no curso do processo, em razão da inércia do autor, que não praticou os atos necessários para seu prosseguimento. Em síntese: ele deixou a ação paralisada por tempo superior ao máximo previsto em lei para a prescrição do direito discutido. Como se vê, o direito não socorre aos que dormem — dormientibus non sucurrit Ius.
No entanto, o reconhecimento da perda desse direito de ação não é tão ‘‘automático’’ assim, tanto que a discussão ganha os tribunais superiores. Para definir os requisitos que devem ser observados para a aplicação da prescrição intercorrente, o Superior Tribunal de Justiça, em fevereiro, acolheu o primeiro incidente de assunção de competência (IAC) desde que esse instituto foi fortalecido pelo Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105).
Com a aprovação do incidente, a 2ª Seção do STJ julgará um recurso especial — inicialmente distribuído à 3ª Turma — que discute os seguintes temas: cabimento da prescrição intercorrente e a eventual imprescindibilidade de intimação prévia do credor; e a necessidade de oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda.
O incidente foi proposto para afastar a divergência de entendimento entre as duas turmas de Direito Privado do tribunal, sendo previsto para processos que envolvem relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em diversos processos — situação em que o caso poderia ser submetido ao rito dos chamados recursos repetitivos. No caso concreto, apenas a título de registro, o recurso especial foi interposto por uma cooperativa agroindustrial do estado de Santa Catarina que teve a execução extinta na primeira instância da Justiça.
É importante destacar que as decisões proferidas em julgamento de IAC agora são identificadas como “precedentes qualificados”, o que significa que as teses lançadas devem ser observadas de forma estrita por juízes e tribunais.
Em resumo, o que deve ser definido é se, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, seria indispensável a intimação do credor, bem como se deve ser garantida oportunidade para que o autor dê andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão executiva.
Atualmente, existem decisões no sentido da ocorrência de prescrição intercorrente quando o exequente — aquele que promove a execução — da dívida permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material pleiteado. Por outro lado, a maioria das decisões consigna que, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, é imprescindível a comprovação da inércia do exequente, mediante intimação pessoal do autor para diligenciar nos autos.
Vale mencionar que o novo CPC estabelece de forma expressa, em seu artigo 926, que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Em outras palavras, os tribunais devem afastar divergências internas sobre questões jurídicas idênticas, justamente por fazerem parte de um sistema que deve se revelar, primordialmente, coerente, a fim de promover a almejada segurança jurídica.
Isso significa que a interpretação judicial do direito deve ser segura — cognoscível, estável e confiável —, para que seja viável a realização dos princípios da liberdade e da igualdade.
Ninguém pode negar que o que se espera de nossos tribunais é segurança jurídica. Assim, que seja recebido com esperanças o novo incidente de assunção de competência.




quinta-feira, 8 de junho de 2017

FRAUDE PARA OBTER FINANCIAMENTO DE IMÓVEL NÃO É ESTELIONATO

Como o financiamento tem destinação e finalidade específica, a fraude para sua obtenção não pode ser considerada estelionato. Dessa forma, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou sentença que condenou um homem por fraude na obtenção de empréstimo bancário para o financiamento de um imóvel em Minas Gerais.
O homem foi condenado em primeiro grau à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão por conseguir um financiamento imobiliário junto à Caixa Econômica Federal com a utilização de documentos falsos.
Ele apelou ao TRF-1 tentando obter a desclassificação do delito do artigo 19 da Lei 7.492/1986 (obter financiamento mediante fraude) para o previsto no artigo 171 do Código Penal (estelionato), que tem pena menor.
“Os crimes previstos na Lei 7.492/1986 são de mão própria, e tem como sujeito ativo controlador ou administrador de instituição financeira, o que não corresponde à situação do réu”, argumentou. Entretanto, o relator do recurso de apelação, o desembargador federal Ney Bello rejeitou a tese.
Ele disse que, uma vez que o contrato fraudulento envolvia a liberação de valores com destinação específica, a conduta se encaixa o tipo previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86 e não ao delito de estelionato. Ele citou no voto tanto um precedente do Superior Tribunal de Justiça como do seu tribunal.
“O objeto jurídico tutelado pelo artigo 19 da Lei 74.92/1986 é o patrimônio das instituições financeiras e, em razão disso, pode ser lesado tanto por administradores quanto por pessoas físicas”, disse Bello.
A autoria e materialidade do crime ficaram comprovadas por documentos como laudo papiloscópico, contrato particular de compra e venda, contrato de financiamento, declarações de renda, depoimentos testemunhais e o interrogatório do réu.
A presença dos requisitos do artigo 44 do Código Penal fez o desembargador substituir a pena privativa de liberdade por multa de um salário mínimo e prestação de serviços à comunidade. O colegiado acompanhou o voto do relator e deu parcial provimento à apelação apenas para conceder ao réu a assistência judiciária gratuita.