O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem reconhecendo, ao
mesmo tempo, a filiação biológica e afetiva nos registros de nascimento, com
todos os seus efeitos jurídicos, incluindo os vínculos de parentesco com os
dois pais ou as duas mães. Assim, se houver concordância das partes e for do
interesse do menor, é possível também o reconhecimento póstumo de paternidade
biológica em pedido feito pelos avós, mesmo que este direito seja
personalíssimo do pai da criança.
O fundamento levou a 8ª Câmara Cível da corte gaúcha a reconhecer a paternidade biológica póstuma, pedida originalmente pelos avós da
criança e, ao mesmo tempo, manter sua paternidade registral. Com a decisão, o
colegiado determinou a inclusão do sobrenome do pai biológico e os nomes dos
avós paternos.
Como os avós se ofereceram para ajudar na pensão alimentícia, em pedido
feito em conjunto com a mãe do menor, o colegiado também homologou o acordo de
obrigação alimentar. O valor a ser repassado para mãe, mensalmente, corresponde
a 25% do salário mínimo. O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na
sessão de 27 de abril.
A pretensão dos avós havia sido derrubada na primeira instância. O juízo
entendeu que a demanda não poderia prosseguir, porque o reconhecimento
espontâneo de filiação é direito personalíssimo que se extinguiu com a morte do
pretenso pai biológico, quando o menor contava com dois anos de idade.
Processo peculiar
O relator da Apelação, desembargador Rui Portanova, observou que se trata de um
“caso peculiar”, já que os pedidos da petição inicial são feitos pela mãe do
menino, pelo pai registral e pelos avós biológicos paternos. As partes
(representadas pela Defensoria Pública) entraram em acordo prévio para
solicitar o reconhecimento do “estado de multiparentalidade”.
Portanova ponderou que os avós, sucessores do homem morto, não poderiam
pleitear tal reconhecimento, que era direito personalíssimo do filho. Mas, por
outro lado, não existe impedimento que o menor, por meio de representante
legal, busque o reconhecimento de sua ancestralidade por meio da investigação
genética com prova via DNA — o que ocorreu em sede de Apelação neste processo,
confirmando o laço biológico.
Conforme o desembargador, o fato de os sucessores do filho concordarem
com a demanda do neto, figurando como “verdadeiros assistentes simples
iniciais”, não desnatura o procedimento investigatório de paternidade. Também
não exige que eles passem a figurar na condição de réus na relação jurídica
processual, dada a ausência de pretensão resistida. Isso porque o que conta é o
interesse do menor, que deseja obter o reconhecimento de sua ancestralidade e
fazê-la constar em seu registro de nascimento.
Evolução social
O desembargador Portanova citou parecer do Ministério Público, segundo o qual,
as legislações tendem a se adaptar à evolução da sociedade. O parecer
destaca que a filiação não decorre, exclusivamente, do parentesco
consanguíneo. É que o artigo 1.593 do Código Civil considera o parentesco
natural ou civil; ou seja, pode resultar de consanguinidade ou de outra origem.
Ressalta, ainda, que a Constituição proíbe discriminação com relação à
filiação, como sinaliza o artigo 227 no seu parágrafo 6º.
“Ademais, não se há como ignorar a possibilidade jurídica conferida aos
recorrentes de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade
para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais”,
encerrou o procurador do MP no parecer, fundamentação agregada às razões
decidir do colegiado.
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