O empresário Joesley Batista deu um xeque-mate. Fez uma jogada de
mestre. A perplexidade de alguns contracena com a ação eficiente de Joesley,
sócio da JBS, para salvar seu grupo empresarial e sua liberdade, típica de quem
domina a lógica do novo modelo de compra e venda de informações. Farei uma
análise via Teoria dos Jogos, tema que tenho procurado estudar[1]. Sou favorável à delação premiada, embora
reconheça que há certa ambiguidade e ausência parcial de regras claras sobre o
modo de produção desse modelo negocial. Para entender o êxito da estratégia
definida por Joesley e seus advogados, seguirei o seguinte trajeto:
1) as investigações estavam chegando
aos interesses de seu grande conglomerado empresarial, cujos lucros foram de R$
4,6 bilhões em 2015 e de R$ 694 milhões em 2016, sendo necessário agir para (i)
manter a vitalidade da empresa e (ii) mitigar os efeitos da ação penal sobre a
liberdade dos sócios;
2) para obter a
estratégia dominante/dominada, abrem-se duas táticas: (i) passiva: aguardar o desenrolar das investigações,
tomando-se medidas preventivas, arriscando-se em um processo penal cujos
estragos seriam postergados no tempo (que custa dinheiro), com a real
possibilidade de sanções patrimoniais e principalmente a prisão dos envolvidos
internamente, dentre eles Joesley; (ii) ativa: agir para
produzir material capaz de ser trocado no mercado da delação premiada,
atualmente em pleno funcionamento no sistema processual penal brasileiro. A
escolha foi pela segunda opção, lançando-se a campo. Na avaliação de riscos, a
tática adotada é a dominante para qualquer um que pense como um “homem de
negócios”;
3) adotada a tática ativa, surge a
necessidade de que as informações tenham valor de troca, ou seja, de que seja
possível chamar a atenção dos compradores (Ministério Público e Polícia
Federal) pela qualidade e relevância, bem assim do fator impacto de seu
conteúdo;
4) inventariar a
informação exigia um duplo movimento entre o passado e o futuro. De um lado,
levantou-se o que tinha de informação capaz de chamar a atenção dos compradores
e, por outro lado, diante da oportunidade de consolidar as informações produzindo
gravações que seriam a prova real, agiu de modo eficiente. O portfólio de
provas a se mostrar foi bem desenhado, contando com a coprodução de agências
estatais, capazes de atestar a regularidade e a cadeia de custódia: ação
controlada, monitoramento do dinheiro por chip etc. Como bom
negociador do mercado, o delator sabia que precisava de algo raro, valioso e
irrefutável;
5) no atual
contexto, nada melhor do que gravações de conversas para causar o impacto
direto, irrefletido, imediato e avassalador. Se não há o produto, seria
necessário o criar. A produção de material probatório então precisava de uma
estratégia de aquisição que, habilmente, contou com o planejamento estratégico
de ações, coordenadas para comprovação das conversas, devidamente gravadas, a
entrega de dinheiro, previamente identificado e com localização por chip eletrônico, tudo para comprovar a cadeia de
custódia do dinheiro. Delineado o curso tático, promoveu-se com pleno êxito,
juntando-se, em ordem: a) conversas gravadas indicando a realização das
condutas; b) efetivação das ações programadas; c) filmagens e monitoramento
eletrônico do trajeto do dinheiro; c) preservação das fontes e do material
produzido;
6) a consolidação
do material de alto valor fez com que fosse possível, invertendo a tendência
passiva, a negociação dos termos finais da delação, mediante cooperação,
pagamento de multa relevante, mas incapaz de impedir a continuidade das
atividades, evitando-se, ainda, a prisão. Xeque-mate desferido, rei
encurralado, delação homologada, segue-se adiante com novos desafios do
mercado. Aliás, com informação privilegiada sobre corte de juros e alta do
dólar, o que fez o nosso personagem: utilizou a informação para operar seus
interesses, “rifando” o Brasil, como aponta o jornal Valor Econômico.
Os juristas do processo
penal baunilha não entendem muito bem como isso se
passa. Tenho insistido em ler o processo penal pela via da Teoria dos Jogos
justamente para indicar um design de compreensão dos
processos penais reais, cujo palco probatório deixou de ser no Poder
Judiciário, para se resolver na fase de investigação, onde uma gravação vale
ouro, a saber, gravações são o novo Habeas Corpus.
O império da tecnologia e das múltiplas possibilidades de gravação
fizeram com que, se alguém quer agir de modo a se precaver ou se garantir, deva
começar a gravar tudo e todos, em qualquer situação, dado que isso pode ter
valor no futuro. Não se trata mais de produção de verdades, mas, sim, de pura
análise de custo-benefício em face de um processo penal transformado em um
balcão de negócios de compra e venda de informações, pena e liberdade.
P.S. Você pode ser perguntar por que alguns meios de comunicação que
sempre defenderam os protagonistas, agora, inverteram o jogo. A questão é
meramente econômica: a) a informação é relevante e com gravações, hot notícia; b) quem der o furo da informação ganha
mais acessos e melhora a audiência; c) a JBS é um anunciante importante aos
meios de comunicação; d) na análise de custo-benefício, não há questões morais
ou éticas; e) quando o time está perdendo, economicamente, vale a pena mudar de
lado e ganhar. Eis o jogo do mercado midiático. Ler Ramonet ajudaria a
compreender.
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