Diante do grande número de recursos
versando sobre matérias idênticas que ao longo dos anos vêm abastecendo um
estoque invencível de processos no Superior Tribunal de Justiça, bem assim em
vista da discrepância de respostas judiciárias que os múltiplos julgamentos,
por diferentes órgãos, sobre as mesmas questões usualmente geraram ao longo de
tempo, o Poder Legislativo aprovou a Lei 11.272, de 08 de maio de 2008 que
introduziu o artigo 543-C no Código de Processo Civil para disciplinar o
processamento dos chamados “recursos especiais repetitivos”, o que, ao depois,
diante da autorização do parágrafo 9º do mesmo artigo, foi regulamentado pelo
STJ, por meio da Resolução 8, de 2008.
O
resultado de um julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça pelo rito do
artigo 543-C gera um precedente forte, isto é, um precedente que
embora não tenha efeito vinculante efetivo, ostenta efeito persuasivo em grau
máximo[i], que emana do procedimento especial de sua formação; da
posição, do prestígio e da missão institucional do Superior Tribunal de
Justiça; bem assim da necessidade de tratamento igualitário perante a lei (art.
5º, II, da CF), isto é, de que casos iguais recebam iguais soluções jurídicas.
Pois bem, em 7 de maio de 2014, por
ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.152.218/RS, processado na forma do
artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/2008, a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça enfrentou a questão da “classificação do crédito relativo a
honorários advocatícios”.
A partir
de erudito voto condutor do ministro Luis Felipe Salomão, que levou em
consideração os fundamentos do recurso e a manifestação do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, na condição de amicus curiae, em
manifestação subscrita por seu presidente, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, o
Superior Tribunal de Justiça, por maioria[ii], pacificou o entendimento de que os créditos de
honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza alimentar,
assegurando, dentro do contexto da questão objeto do julgamento, o direito a
prioridade de pagamento no processo falimentar até o limite de prioridade dos
créditos trabalhistas, “na forma preconizada pelo artigo 83, I, da Lei de
Recuperação Judicial e Falência.”
A fixação da premissa de que os
créditos de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza
alimentar levou, no caso concreto, à conclusão de que o advogado credor de
honorários advocatícios tem direito à prioridade do pagamento no processo
falimentar.
A importante premissa fixada,
contudo, não leva, apenas, a essa conclusão.
Há, na
verdade, diversos outros reflexos que decorrem deste histórico julgamento,
situação que já foi antevista pela ilustre relator, ministro Luis Felipe
Salomão, quando assentou na parte final de seu voto o seguinte: “realço a
importância do precedente ora em debate, com o rito e efeito do recurso repetitivo
(art. 543-C, CPC), pois uma vez afirmada a natureza alimentar dos honorários de
advogado no âmbito do direito privado - caso acolhida a tese ora proposta -, é
bem verdade que seus reflexos diretos e indiretos não se esgotam na
classificação do crédito para efeito de falência ou recuperação. Evidentemente
que o alcance do conceito - verba alimentar dos honorários, no campo cível -
atinge outras esferas, tarefa de interpretação e aplicação que caberá à
doutrina e jurisprudência.”
E o propósito deste singelo texto é
contribuir com a investigação sugerida pelo eminente relator.
É
fundamento determinante do precedente formado a partir do julgamento do Recurso
Especial 1.152.218/RS que “Os honorários são a remuneração do advogado e -
por isso - sua fonte de alimentos[iii]”.
Não é demais lembrar que os
honorários são a fonte de subsistência de qualquer advogado. A título de
exemplo, o advogado privado tem despesa com o imóvel onde está instalado seu
escritório, tem despesas com telefone, água, luz, internet, impostos,
locomoção, material de escritório, impressoras, computadores, aparelhos de fax,
com o salário de secretárias, auxiliares administrativos, equipe de
informática, com outros advogados colaboradores, enfim, com uma grande
estrutura sem a qual é impossível exercer o ofício. Além de fazer frente a
todas essas despesas, os honorários também são fonte de subsistência do
advogado e de sua família. Sua vida se move a partir dos honorários que recebe.
Em suma: os honorários são fonte alimentar de qualquer advogado.
Se os créditos de honorários
advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza alimentar, significa
então que, para a sua satisfação em processo de execução, é possível penhorar
“os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os
ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal” do
devedor.
Por outras
palavras, se, em precedente que tem efeito panprocessual e na esteira do que
está em vias de ser positivado no novo Código de Processo Civil[iv], o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela natureza
alimentar dos honorários de advogado, significa então que a sua execução não
está abrangida pelo regime da impenhorabilidade previsto no artigo 649, IV[v], do CPC, sendo, pois, o caso de aplicação da exceção
contida no § 2º[vi] do art. 649 do CPC.
A origem do crédito alimentar é
indiferente para a incidência da exceção contida no § 2º do artigo 649 do CPC.
O que importa é a sua finalidade.
Esta
questão já foi apreciada, sobre tal prisma, pela 3ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça por ocasião do julgamento do AgRg no REsp 1.206.800/MG[vii], da relatoria do ministro Sidnei Beneti onde expressou
que “não há razão para se perfilhar a tese de que existem dívidas
alimentares que podem excepcionar ou regime da impenhorabilidade de vencimentos
e outras, de mesma natureza, que não gozam de tal privilégio.”
Isso significa que as verbas a que se
refere o artigo 649, IV, do CPC poderão ser, integralmente, penhoradas para
satisfazer o crédito de honorários, contratuais ou sucumbenciais. É raciocínio
que se funda, também, no princípio da efetividade da execução.
A permissão, de outro lado, deve ser
vista sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana, isto é, no
sentido de resguardar o mínimo necessário à subsistência do devedor e de sua
família. Assim, na esteira do que vem se admitindo para a penhora de
faturamento de pessoa jurídica, parece adequado admitir a penhora de até 30% de
qualquer das verbas a que se refere o artigo 649, IV, do CPC quando o devedor
for pessoa física.
Eis aí, pois, em nossa ótica, uma das
consequências do precedente formado no Recurso Especial 1.152.218/RS.
[i] É, por outras palavras,
precedente dotado de efeito vinculante virtual, na feliz expressão
cunhada pelo Min. Gilmar Mendes em voto no RE 363852 para os precedentes do STF
em controle difuso de constitucionalidade que,mutatis mutandis,
aplica-se aos precedentes do STJ no controle da interpretação das leis
federais. (Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03-02-2010,
DJe 22-04-2010)
[ii] 07/05/2014 (17:17hs)
Proclamação Final de Julgamento: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista
do Sr. Ministro Sidnei Beneti conhecendo do Recurso Especial e dando-lhe
provimento no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros João Otávio de Noronha e
Jorge Mussi, a retificação de voto do Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima para
acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator, e o voto da Sra. Ministra Maria
Thereza de Assis Moura acompanhando a divergência, a Corte Especial, por
maioria, conheceu e deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Ari Pargendler, Gilson Dipp,
Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin e Napoleão Nunes
Maia Filho.
(https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200901563744&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea)
[iii] EREsp 706331/PR, Rel. Ministro
HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/02/2008, DJe 31/03/2008
[iv] As versões do projeto de novo
CPC aprovadas no Senado Federal (art. 87, §10) e na Câmara dos Deputados (art.
85, §14) são idênticas quanto ao ponto: “Os honorários constituem direito do
advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos
oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de
sucumbência parcial.”
[v] Art. 649. São absolutamente
impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações,
proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias
recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e
sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional
liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº
11.382, de 2006).
[vi] Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
(...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos
de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os
ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de
2006). (...) § 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica
no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei
nº 11.382, de 2006).
[vii] AgRg no REsp 1206800/MG, Rel.
Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/02/2011