Durante muitos anos, o Brasil foi acometido por elevados índices
inflacionários, que, juntamente com outros indicativos econômicos, mantinham
suas tentativas de desenvolvimento integralmente suscetíveis aos colapsos
internacionais. Medidas de combate à inflação desenfreada, bem como a
busca por estabilidade e por uma melhor distribuição de renda, culminaram na
implantação de alguns planos econômicos, em especial nas décadas de 1980 e
1990.
Independentemente das repercussões positivas e negativas que as reformas
econômicas ocasionaram ao desenvolvimento do país, é notório que os planos
Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II foram marcados por controvérsias
específicas no âmbito do Direito do Consumidor. Nesse sentido, podemos
citar as perdas remuneratórias provocadas pelas diferenças dos índices de
correção aplicados pelas instituições bancárias às cadernetas de
poupança.
Desde então, os consumidores/poupadores prejudicados promoveram intensa
busca no intuito de obter o ressarcimento dos valores que lhes são devidos. Com
o esgotamento das tentativas de resolução amigável do conflito, aos
consumidores sobejou recorrer à esfera judicial, o que ocasionou o ajuizamento
de milhares de ações individuais em demandas da mesma natureza resultando,
fatalmente, em morosidade na tramitação processual.
Não obstante as fartas decisões judiciais favoráveis aos poupadores,
consolidando o direito ao reembolso das diferenças de remuneração das suas
contas poupança, o setor bancário/financeiro, detentor de posição econômica
privilegiada e de domínio irrefutável frente aos consumidores, relutou, e ainda
reluta, em cumprir o seu evidente dever legal, contemporizando a superação da
causa.
Atualmente se encontra sob os cuidados do Superior Tribunal de
Justiça a análise dos recursos especiais 1.532.516/RS e 1.532.525/RS, que
serão julgados sob o rito dos recursos repetitivos. Neles, a instituição
recorrente, Banco Santander S/A, defende ser impossível que as ações
individuais de cobrança sejam convertidas de ofício em fase de liquidação de
sentença, proferida em ação civil pública que já reconheceu o direito dos
consumidores ao ressarcimento das diferenças remuneratórias.
A questão específica submetida a julgamento diz respeito à análise da
“possibilidade de conversão de ação individual de cobrança de expurgos
inflacionários sobre o saldo de cadernetas de poupança em liquidação/execução
de sentença proferida em ação civil pública movida com a mesma finalidade”. Há determinação expressa de suspensão, em todo o território
nacional, do trâmite dos processos pendentes que versem sobre a questão, sejam
eles individuais ou coletivos, conforme previsão de afetação disposta no artigo
1.037 do novo Código de Processo Civil.
É importante salientar que o instituto da ação coletiva se evidencia
como um instrumento basilar que contribui expressivamente para a facilitação do
acesso à Justiça, a economia e a celeridade processual.
Não ambicionando afastar a previsão legal de que a conversão de ação
individual em liquidação de sentença da ação coletiva ocorra sob o requerimento
da parte, é notório que em situações específicas tal literalidade deve ceder
lugar à interpretação sistemática e multidisciplinar do ordenamento jurídico,
que aponta para uma desejável agilidade da prestação jurisdicional.
Os dois recursos especiais afetados, em suma, buscam impor à Justiça
brasileira o exame categoricamente repetitivo e burocrático de matéria já
decidida em ação coletiva reconhecedora de direito manifesto dos poupadores, à
medida em que as alegações do banco recorrente se fundam, primordialmente, na
impossibilidade de que a conversão em liquidação de sentença ocorra de ofício.
Contudo, é inexequível rediscutir em cada uma das ações individuais todas as
questões que já foram vastamente analisadas na ação civil pública, se mostrando
desarrazoado e desproporcional exigir que milhares de autores promovam,
individualmente, os requerimentos específicos para que citada conversão
aconteça. Para o Judiciário, o ato resultaria em improdutividade e dissipação
de recursos públicos; para os consumidores, representaria uma morosidade
excessiva para aqueles que já aguardam a efetivação do seu direito há mais de
20 anos.
Ressalte-se que a liquidação de sentença não representa a entrega
efetiva do direito em si, mas, tão somente, se consubstancia em fase processual
preparatória, momento em que cada consumidor/poupador comprovará o nexo causal
adstrito ao seu caso. Dessa forma, é fácil perceber que a conversão de
ofício teria o poder de abreviar o trâmite de milhares de ações, respeitando,
contudo, a segurança garantida no arcabouço jurídico pátrio.
A desejável modernização da interpretação processualística, justificada
pelo aumento e pela complexidade dos pleitos reportados ao Judiciário, assinala
para um necessário estabelecimento, por parte dos julgadores, de configurações
que garantam a efetiva satisfação do direito delimitado na sentença.
O Código de Processo Civil e o Código de Defesa do Consumidor são
legislações de importância capital para a sociedade, se fundamentando em
princípios que salvaguardam a razoável duração do processo, a eficiência da
prestação jurisdicional, o impulso oficial, a boa-fé, a dignidade da pessoa
humana e a proteção do vulnerável. A análise das especificidades dos
recursos especiais em questão evidencia que a interpretação de ambas as
legislações necessita ser expandida, permitindo a aplicação do Direito ao caso
concreto e apresentando aos jurisdicionados decisões efetivas, justas e em
razoável decurso de tempo.
O Superior Tribunal de Justiça tem papel fundamental na padronização da
interpretação das leis federais, devendo ter como premissa a observância dos
desígnios intrínsecos das normas. Dessa forma, a corte encontra-se diante
de uma questão inquietante e, ao mesmo tempo, transformadora: a) aplicar
interpretação literal da norma rogada pelo recorrente, determinando que a
conversão das ações individuais de cobrança em liquidação de sentença só ocorra
após o requerimento de cada um dos milhares de autores. Tal medida seria
escolha clara por um caminho burocrático e inapto a resultar em qualquer
benefício prático, provocando, consequentemente, o aumento da morosidade das
ações judiciais, somente proveitosa ao setor bancário que há muito adota atos
protelatórios ao cumprimento da sua obrigação; b) promover interpretação
sistêmica do ordenamento jurídico, deliberando pela conversão de ofício das
ações individuais em liquidação de sentença da ação civil pública, dispensando
o requerimento pessoal de cada um dos autores. Esse entendimento prima pelo
interesse público e pelos princípios norteadores da legislação nacional, em
especial, do Código de Processo Civil, do Código de Defesa do Consumidor e da
Constituição Federal. Além disso, deixa inequívoca a efetividade da
prestação jurisdicional ao caso concreto, optando pela economia e celeridade
processuais, frise-se, com total respeito à legislação pátria, representando,
também, um rebate contundente a qualquer tipo de intenção que objetive adiar a
resposta do Estado-juiz.
Diante da grande quantidade de ações individuais de cobrança de expurgos
inflacionários dos planos econômicos, é nítido perceber que a conversão de
ofício é medida essencial à situação fática apresentada, pois, além de não
acarretar prejuízo às partes ou ofensa à legislação, se mostra, ainda, como
contorno efetivo capaz de agilizar o deslinde de questão jurídica que se
arrasta há mais de duas décadas no país.