O presente artigo parte da necessidade de se enfrentar essa questão,
tendo vista que alguns municípios paulistas vêm cobrando ITBI quando
da cessão de direitos de bens imóveis, em afronta à CF/1988, ao CTN e ao
Código Civil, conforme se verá.
De plano, tem-se que a competência dos municípios para instituir o
Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, a título oneroso, de bens
imóveis (ITBI), está disciplinada no artigo 156 da Constituição Federal, que
assim dispõe:
"Art. 156.
Compete aos Municípios instituir imposto sobre:
(...)
II - transmissão
inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza
ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia,
bem como cessão de direitos a sua aquisição".
Então, o exercício da competência tributária pelos entes políticos
municipais encontra seus limites no próprio texto constitucional.
Já o artigo 35 do Código Tributário Nacional (com força de lei complementar),
por seu turno, dispõe que o fato gerador do ITBI é a transmissão da
propriedade ou do domínio útil, como definidos na lei civil, de modo que
sua ocorrência somente se verifica com o registro da escritura de
compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do
artigo 1.227 do CC.
Com efeito, o imposto (ITBI) somente é devido quando se
transfere o domínio. E o momento da transferência acontece quando do
registro do documento (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis,
conforme os artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.227. Os
direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre
vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis
dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos
neste Código”.
“Art. 1.245. Transfere-se
entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro
de Imóveis.
§ 1º - Enquanto não
se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono
do imóvel.
§ 2º - Enquanto não
se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro,
e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do
imóvel”.
De outra ponta, tem-se que a Constituição e o CTN definem a regra matriz
de incidência do ITBI, e mais, que este mesmo CTN estabelece que a lei
tributária não pode alterar a “definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado” (artigo 110).
E o critério do Código Civil é adotado pela legislação tributária,
por força do artigo 110 do CTN, que estabelece:
“Art. 110. A lei
tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis
Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar
competências tributárias”.
Dessa forma, o CTN remete expressamente à lei civil adrede citada para a
definição de bens imóveis tornando o seu conceito induvidoso.
Destarte, a transmissão de propriedade de bens imóveis, de direitos
reais sobre imóveis e de cessão de direitos sobre tais transmissões não pode
ser entendido senão conforme a lei civil, nos termos do artigo 109 do CTN.
Então, apenas mediante o registro imobiliário é que ocorre a
transmissão do bem imóvel.
Ora, como diz o dito popular, “só é dono quem registra”, e para tanto há
de se ter a transmissão do bem imóvel via lavratura da escritura pública,
quando, assim, deve incidir o ITBI.
Dessa forma, antes da inscrição do título de transmissão não ocorre
qualquer transmissão de propriedade, não se havendo falar na ocorrência
do fato imponível da obrigação tributária e tampouco no pagamento de ITBI,
e muito menos as multas e demais acréscimos.
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que apenas a
transcrição do título de transferência no registro de imóveis dá ensejo à
incidência do ITBI, não podendo ser tributada a promessa de compra
e venda ou de cessão de direitos (RO em MS 10.650-DF, AgReg no REsp
982.625/RJ).
A ministra Eliana Calmon, ao relatar o Recurso Especial 57.641/PE,
entendeu que o ITBI não incide “em promessa de compra e venda, contrato
preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim
ensejador da cobrança do aludido tributo”.
Não se pode olvidar também que o STF, quando do julgamento da
Representação 1.211-5/RJ, decidiu no mesmo sentido, sendo a ementa lavrada com
o seguinte teor:
“Imposto sobre a
transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Fato gerador. O
compromisso de compra e venda e a promessa de cessão de direitos aquisitivos,
dada a sua natureza de contratos preliminares no direito privado brasileiro,
não constituem meios idôneos à transmissão, pelo registro, do domínio sobre o
imóvel, sendo, portanto, inconstitucional a norma que os erige em fato gerador
do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos”.
Com isso, na cessão de direitos e que serve de lastro
às secretarias de Finanças de algumas prefeituras municipais cobrar o ITBI não
tem qualquer fundamento, não caracterizando, destarte,
hipótese de incidência tributária, porque não levada ao registro.
Ou seja, perante o Cartório de Registro de Imóveis não houve
qualquer alteração na condição dominial do imóvel que possa implicar na
ocorrência do fato gerador e, com isso, possibilitar a exigência do tributo.
Como já adiantado, apenas para efeitos argumentativos, se assim o for,
todos os compradores de imóveis na planta deverão arcar em dois momentos com o
ITBI, quando da compra e depois quando da lavratura da escritura (?!), não parece
ser esta a aplicação da legislação de regência.
Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:
“PROCESSUAL CIVIL –
ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – SÚMULA 284/STF – JULGAMENTO
EXTRA PETITA – NÃO-OCORRÊNCIA – TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE COMPRA E VENDA
– FATO GERADOR – NÃO-INCIDÊNCIA – PRECEDENTES.
(...)
3. NA HIPÓTESE DOS
AUTOS, A CORTE DE ORIGEM FIRMOU ENTENDIMENTO ASSENTE NA JURISPRUDÊNCIA NO
SENTIDO DE QUE A PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS À AQUISIÇÃO DE IMÓVEL NÃO É
FATO GERADOR DE ITBI. PRECEDENTES”.
(Agravo regimental
improvido. AgRg no REsp 982625 / RJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL -
2007/0204947-8)
Vale citar o julgado do STF que vai na mesma linha desse raciocínio :
“EMENTA Agravo
regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão inter vivos de bens
imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato gerador. Compromisso de compra e
venda. Registro do imóvel. 1. Está assente na Corte o entendimento de
que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da
propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido”.
(AG.REG. NO AGRAVO
DE INSTRUMENTO – AI 764432 / MG - Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI - Julgamento:
08/10/2013 - Órgão Julgador: Primeira Turma – Publicação - ACÓRDÃO ELETRÔNICO -
DJe-231 DIVULG 22-11-2013 PUBLIC 25-11-2013)
Ainda nesse sentido, o voto do ministro Francisco Falcão, no Ag.Rg no RE
798.794/SP, deixou assentado que “o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o
registro da transmissão do bem imóvel, incidindo, portanto, o tributo somente
após o registro no Cartório de Imóveis, sendo descabida a exigência nos moldes
da Lei Municipal nº 5.430/89”.
E o TJ-SP vem reiteradamente decidindo nesse mesmo sentido, como
faz exemplo a Apelação 0053042-30.2011.8.26.0405 e que tem a seguinte ementa do
acórdão:
“Ementa: Mandado de
Segurança. ITBI. Ocorrência do fato gerador com o registro da transmissão do
bem. Entendimento sedimentado no STJ. Multa e juros moratórios aplicados antes
da ocorrência do registro. Impossibilidade. Nega-se provimento ao recurso, com
manutenção da sentença reexaminada.
(Apelação n°
0053042-30.2011.8.26.0405 – Relatora BEATRIZ BRAGA - 18ª Câmara de Direito
Público – Dje 11/12/2013)
Resta claro, portanto, de que o contribuinte não deve se sujeitar ao
referido imposto em decorrência da sua não incidência quando da cessão de
direitos.
Nesse diapasão, a exigência de ITBI com base na cessão de direitos
padece de TOTAL ilegalidade e inconstitucionalidade, porquanto funda-se
simplesmente em um instrumento (“cessão de direitos”) que não tem o condão de
transmitir bens imóveis como assim determina a CF/88, portanto, não se tem a
hipótese de incidência prevista na legislação para este fato concreto.
Dessa forma, não assiste razão às prefeituras em exigir o ITBI com base
em cessão de direitos, posto que, como se viu, este tributo somente pode ser
exigido na transmissão da propriedade do imóvel e que se dará quando os contribuintes-adquirentes,
nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, transferirem o domínio do
bem imóvel em questão.
Por fim, é digno de nota que bem recentemente, nos autos de um mandado
de segurança, em face do secretário de Finanças da Prefeitura de Osasco, o juiz
da 2ª Vara da Fazenda Pública proferiu a seguinte sentença concedendo a
segurança:
“É certo que, os
artigos 156, II da Constituição Federal, bem como os artigos 35 e 110 do Código
Tributário Nacional estabelecem que a ocorrência do fato gerador do ITBI se
aperfeiçoa com a transmissão da propriedade. Mera escritura de cessão de
compromisso de compra e venda, “data vênia”, não corresponde à definição legal
do fato gerador do tributo em tela. Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do
Egrégio TJSP:
“IMPOSTO ITBI -
São Paulo - Imóvel adquirido mediante contrato particular de cessão de direitos
e obrigações de compromisso de compra e venda - Fato gerador do imposto só se
aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel no respectivo Cartório
de Registro de Imóveis - Exegese dos artigos 156, inciso II, da Constituição
Federal, 35 e 110 do Código Tributário Nacional e 1245 do Código Civil
Repetição do indébito devida - Sentença mantida RECURSOS NÃO PROVIDOS,
(TJSP, Apel. nº 1031574-74.2014.8.26.0053, Rel. Des. Fortes Muniz, 15ª Câmara
de Direito Público, j. em 15.09.2016)”.
Resta, assim, àquele que se sentir prejudicado buscar o Poder Judiciário
a fim de ver prevalecer seu Direito nos termos constitucionais e legais.