O artigo 217-A do Código Penal diz, expressamente, ser estupro de
vulnerável a prática de sexo ou ato libidinoso com menor de 14 anos, mas a 6ª
Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a idade não
basta para a aplicação do dispositivo. Para o colegiado, também é preciso
analisar o contexto dos fatos para se verificar a vulnerabilidade da menor.
Por isso, manteve o trancamento de uma ação penal do Ministério Público
contra um rapaz de 18 anos, seus pais e a mãe de sua namorada, uma menina de 12
anos. Nos dois graus de jurisdição, o entendimento predominante foi de que o
convívio do rapaz com a menor na casa dele, com a ciência e conivência dos
pais, está inserida em uma realidade social em que os jovens têm iniciação
sexual mais precoce.
A denúncia do MP-RS relata que o rapaz praticava sexo com a garota com o
consentimento de seus pais da mãe da menor. Para a promotoria, a mãe da menina
tinha o dever de impedir a convivência da filha com o namorado. O MP-RS
argumentou que a mãe incidiu na conduta de estupro de vulnerável por omissão de
dever legal de cuidado, proteção e vigilância. A mesma conduta foi reputada aos
pais do rapaz, que acolheram a menina em sua casa, permitindo o convívio dos
dois.
O juízo da comarca de origem considerou atípica a conduta e, em
decorrência, rejeitou a denúncia. Para o julgador, não basta o enquadramento do
fato no dispositivo do Código Penal, sem levar em conta a evolução da
sociedade. É que, hoje, as informações são disseminadas de forma quase
irrestrita e com velocidade acentuada, de modo que os jovens se desenvolvem
intelectual a cognitivamente de forma cada vez mais precoce.
A decisão citou doutrina do penalista Guilherme de Souza Nucci: “O
legislador brasileiro encontra-se travado na idade de 14 anos, no cenário dos
atos sexuais, há décadas. É incapaz de acompanhar a evolução dos comportamentos
na sociedade. Enquanto o Estatuto da Criança e Adolescente proclama ser
adolescente o maior de 12 anos, a proteção penal ao menor de 14 anos continua
rígida. Cremos já devesse ser tempo de unificar esse entendimento e estender ao
maior de 12 anos a capacidade de consentimento em relação aos atos sexuais.”
Conforme o juiz, as informações trazidas aos autos permitem relativizar
a vulnerabilidade da vítima, o que leva à atipicidade da conduta narrada pelo
MP-RS. Afinal, a menor disse à polícia que já namorava o indiciado, consentindo
com as relações sexuais. Desde fevereiro de 2016, passou a morar na casa dos
pais dele, sem abrir mão de frequentar a escola. Tudo com o consentimento da
família. Tanto que a mãe da menor visita o casal com frequência quase diária.
“Em que pese a atuação da
vítima e seu companheiro não retrate a conduta esperada, em tese, por
indivíduos em idade análoga, percebe-se que permanecem resguardados os direitos
da adolescente, até mesmo porque há relatos de que frequenta regularmente
a escola e encontra-se assistida material e afetivamente pela genitora e pela
família do companheiro, que a acolheu em sua residência. Nesse mesmo norte, não
merece a conduta dos genitores do casal ser caracterizada como omissão, visto que, ao invés de ignorar o relacionamento, optaram por mantê-los
protegidos, dando-lhes orientação e assistência”, cravou na sentença.
A relatora da apelação-crime no TJ-RS, desembargadora Vanderlei
Teresinha Kubiak, observou que a menor e o indiciado mantêm um relacionamento
afetivo duradouro. Logo, não se trata de uma situação de abuso sexual, mas de
precocidade. Por este raciocínio, seria uma “hipocrisia” impor pesada pena aos
denunciados, quando há nas novelas, filmes, seriados e programas de
televisão todo um estímulo à sexualidade.
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