Uma mãe ofendida e injuriada por seu filho pode retomar um imóvel
que doou a ele anteriormente. O artigo 555 do Código Civil prevê a revogação,
por ingratidão do donatário, enquanto o artigo 557 elenca os motivos:
atentar contra a vida do doador, ofendê-lo em sua integridade física,
injuriá-lo ou caluniá-lo ou negar-lhe alimentos.
Com isso, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul manteve, na
íntegra, sentença que
revogou a doação de terreno feita por uma mãe a seu filho em São
Leopoldo, Grande Porto Alegre. Com a decisão, o filho e a nora terão de
desocupar o imóvel, que passará integralmente para domínio e posse da mãe.
Conflito familiar
A mãe alegou que a nora e do filho começaram a hostilizá-la e ameaçá-la depois
que passaram a dividir com ela o terreno, que foi doado ao filho quando os pais
se divorciaram, em 2007. O objetivo das brigas, segundo a autora,
era afastá-la do imóvel, visando consolidar a propriedade.
O filho chegou a mandar construir um muro no terreno, separando as
duas casas que, na prática, tirou o acesso da autora à saída para a rua e
aos registros de água e energia elétrica. A autora, que mora numa pequena
casinha nos fundos do terreno, se sentiu ‘‘sitiada’’ e ‘‘isolada’’ pelos réus,
o que a motivou a pedir a revogação da doação na Justiça.
De favor
O filho disse que sua mãe mentiu na ação. Segundo ele, a mulher vendeu o imóvel
que lhe coube na partilha e passou a morar provisoriamente no salão de festas,
que era utilizado por ambos, mas que fica dentro do seu imóvel. E isso
impediria a regularização da área junto à Prefeitura.
Segundo ele, o prédio do salão de festas está em seu terreno, assim como
parte dos imóveis de suas tias e avó. Por isso, teria sido obrigado a ajuizar
ação contra a mãe e suas tias, sendo o processo distribuído perante a 5ª Vara
Cível da Comarca. Admitiu, no entanto, que houve provocações, sim, mas de ambas
as partes.
Sentença procedente
O juiz Ivan Fernando de Medeiros Chaves determinou a revogação de doação, por
entender que os autos mostram situação clara de ingratidão por parte do
donatário. O muro construído pelo filho, diz a decisão, não só isolou a autora
como impossibilitou seu acesso ao logradouro púbico. Com isso, o
magistrado determinou o retorno de 50% do imóvel ao domínio da doadora.
Conforme o juiz, uma das testemunhas, vizinha das partes, foi taxativa
em afirmar que a mulher do réu ofende e diz palavras de baixo calão para a
autora, sem que este intervenha na situação, consentindo com os atos
praticados.
"O próprio autor, em sua contestação, confessou a construção do
muro, sob a justificativa de tentar ‘diminuir eventuais desentendimentos e
provocações’. Ocorre, porém, que as declarações prestadas ao juízo indicam que
a companheira do donatário foi autora de ofensas contra a doadora,
circunstância que indica que o comportamento hostil partiu dos moradores do
prédio doado", diz a sentença.
Apelação improvida
O réu apelou. Nas razões de mérito, alegou ausência de provas dos
"supostos atos de ingratidão". Afirmou que a construção de um muro,
objetivando sua segurança e privacidade do doador e do donatário, não configura
atos de ingratidão. Apontou ainda que não é possível revogar doação de
imóvel objeto de acordo em separação de divórcio. Ou seja, sustentou que
não estão presentes as hipóteses do artigo 557 do Código Civil.
O relator da Apelação na 20ª Câmara cível, desembargador Glênio
Wasserstein Hekman, observou que o conceito jurídico de ingratidão – presente
no artigo 557 do Código Civil – é aberto. Não se encerra nas hipóteses
tipificadas previamente neste dispositivo legal. Tanto que o Enunciado 33, do
Conselho da Justiça Federal (CJF), diz: "O novo Código Civil estabeleceu
um novo sistema para a revogação da doação por ingratidão, pois o rol legal
previsto no artigo 557 deixou de ser taxativo, admitindo, excepcionalmente,
outras hipóteses".
Para o relator, os autos trazem prova suficiente para demonstrar a ingratidão
do donatário, que deixou a própria mãe sem acesso à via de pública, com ameaças
de corte de água e energia elétrica. Além disso, os beneficiários do imóvel
ameaçaram a integridade física e psíquica da autora, inclusive, soltando e
instigando cachorros na sua direção. Somam-se a isso as palavras de baixo
calão, proferidas com o intuito de desqualificar a doadora. Logo,
concluiu, a conduta enquadra-se nas hipóteses de ingratidão.
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