É irresponsável liberar substância química que promete cura de uma
doença sem o mínimo rigor científico e ainda com duvidosa eficácia. Assim
entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao cassar,
nesta quarta-feira (11/11), todas as liminares de primeira
instância que mandavam a Universidade de São Paulo fornecer
fosfoetanolamina a pacientes com câncer. Os desembargadores também proibiram
que juízes do estado tomem decisões futuras com o mesmo tema.
A droga era distribuída a algumas pessoas no município de São Carlos
(SP), onde um professor aposentado pesquisa seus efeitos no Instituto de
Química da USP. A chamada “cápsula contra o câncer” virou uma febre depois
que o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar
favorável a uma paciente que queria ter acesso à substância, mesmo sem ter sido
testada em humanos. Uma série de liminares em São Paulo foi proferida nas
últimas semanas.
A USP recorreu, alegando a falta de pesquisas complementares e sua
dificuldade em atender todas as decisões, já que não tem condições de produzir
fosfoetanolamina em escala. O desembargador José Renato Nalini, presidente do
TJ-SP e relator do caso, sugeriu que o fornecimento seguisse alguns critérios:
somente se o paciente tivesse receita médica indicativa do consumo, se fosse
atendido o requisito legal de registro de pesquisa e com declaração expressa da
vontade do interessado — ou de seus representantes legais, em caso de crianças.
O desembargador Sérgio Rui foi contrário à concessão em quaisquer
hipóteses. Para ele, é imprudente que o Judiciário permita a distribuição de
droga sem que seus efeitos sejam conhecidos. "Nem o médico tem condição de
prever as consequências desse uso e pode contrariar seu dever de proteger a
saúde de seu paciente. A USP não desenvolveu estudos sobre reação em seres
vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro da
substância na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], portanto, ela
não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula",
afirmou.
Ainda segundo ele, alternativas terapêuticas devem seguir uma série de
etapas, como estudos aprovados em comitê de ética e protocolo de pesquisa
clínica na Anvisa, procedimentos relevantes para conhecer os efeitos colaterais
da substância e sua adequada posologia, e não mero formalismo. “O paciente tem
autonomia do que pode fazer, mas essa autonomia não pode forçar uma
universidade a fornecer substâncias que ainda estão em estudos preliminares.”
O desembargador José Henrique Arantes Theodoro apontou que a onda de
procura pela cápsula já atingiu até um cachorro e uma paciente com mal de
Alzheimer.
Casos de família
Nalini já havia negado pedidos de acesso à fosfoetanolamina antes da decisão no
Supremo, mas disse que passou a ser “bombardeado” por uma série de críticas em
redes sociais, até em perfis de seus netos. “Disseram que mortes de pessoas
seriam minha responsabilidade.” Com a posição do Plenário, ele disse ficar mais
“confortável” com a situação. Sérgio Rui disse que proferiu seu voto mesmo com
casos de câncer na família.
A controvérsia na corte foi definir se a decisão valia ou não para
pessoas que já são atendidas pela substância. Por maioria de votos, o Órgão
Especial determinou que nem elas podem mais passar pelo tratamento.
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