O Direito
de Família é o ramo do Direito que sofre mais transformações. Desde que as
pessoas começaram a se casar por amor, a família não parou mais de evoluir, e
surgirão sempre novas representações sociais da família, antes inimagináveis. O
ano de 2016 foi marcado por transformações e reafirmações de conceitos
jurídicos que traduzem a evolução dos costumes.
A
principal evolução legislativa que atingiu diretamente o Direito de Família,
sem dúvida, foi o novo CPC, que começou a vigorar em 18 de março. Ele já foi
modificado pela Lei 13.363, de 25/11/16, para estipular direitos e garantias à
advogada gestante, lactante, adotante ou que der a luz e ao advogado que se
tornar pai. Além de ter trazido um capítulo específico para as ações de
família, ele reafirmou o novo espírito que deve guiar principalmente o
Direito de Família, que é o estímulo à diminuição da litigiosidade inclusive
por via da mediação. Em tempos de Judiciário caótico, em razão do grande volume
de processos, e sem perspectivas de melhora, mesmo com a implantação dos
processos judiciais eletrônicos, o estímulo a não litigiosidade é a grande
saída. Ademais, já se sabe que não há vencedores em processos de família.
Quando os restos do amor vão parar no Judiciário, em nome de reivindicação de
direitos, é uma forma de não querer perder o vínculo. Cada parte, que acredita
sempre estar dizendo a verdade, inconscientemente, ou não, na verdade está é
mantendo o vínculo com o outro. E assim permanecem unidos, ainda que em nome de
se separarem. O ódio une mais que o amor.
Os
projetos de lei em Direito de Família e sucessões ficaram praticamente parados
no ano de 2016 em razão do tumulto político do país. Independentemente deste
momento, a Câmara dos Deputados e o Senado, em razão do conteúdo moral que os
projetos de lei em Direito de Família veiculam, não tem aprovado praticamente
nada. A bancada religiosa dos parlamentares, em nome de Jesus, tem feito
verdadeiro atentado aos direitos humanos e desrespeitado toda a evolução
histórica dos movimentos sociais. Tudo isso em nome de preservar a moral e os
bons costumes. E mesmo os deputados e senadores mais comprometidos com os
movimentos sociais, a democracia e os Direitos humanos não têm tido a coragem
de bancar certas posições por medo de não se reelegerem. Tristes trópicos!
Ainda bem
que a lei é apenas uma das fontes do Direito, ao lado de jurisprudência,
doutrina, analogia, equidade e princípios. A mais importante fonte do Direito
continua sendo os costumes, como já dizia o filósofo italiano Giorgio Del
Vecchio em seu clássico livro Lições de Filosofia do Direito, em
que é assertivo e definitivo: com maravilhosa intuição divinatória, já
Vico advertia, em uma época em que poucos o podiam compreender, que o Direito
nasce das fundezas da consciência popular, da sabedoria vulgar, sendo obra
anônima e coletiva das nações (Cf. Dicionário de Direito de Família e
Sucessões – Ilustrado, verbete Fontes do Direito, p. 339). Assim, a
doutrina e a jurisprudência é que têm feito a melhor tradução dos costumes e
ajudado o Direito de Família a evoluir. Nesse sentido, além da boa e
contemporânea doutrina produzida pelos membros do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFam), e dos vários julgados dos tribunais estaduais e
STJ, que deram novas interpretações à lei e à Constituição, devemos destacar
dois grandes julgamentos do STF. Um deles ainda não concluído, mas parece já
definido, é a igualização de direitos entre cônjuges e companheiros (RE
878.694, em 31/8/16). O outro acatou e consolidou a tese da socioafetividade e
da multiparentalidade (RE 898.060, em 22/9/16).
Essas
decisões do STF são o reflexo da evolução do Direito
de Família e Sucessões, e foi o grande destaque de 2016. A suprema
corte do Brasil tem feito interpretações constitucionais condizentes e
costuradas com a realidade e os costumes. E assim tem dado mais vida ao Direito
de Família e Sucessões. Mais importante que o resultado desses dois
julgamentos é a discussão que se faz em torno dele, que é fruto da construção
doutrinária produzida, principalmente, pelo IBDFam. Valores e princípios
jurídicos que vínhamos discutindo havia anos ganharam agora status na corte
constitucional. E, assim, a socioafetividade e a multiparentalidade ganharam
amplitude e entraram definitivamente na pauta da discussão e compreensão desse
ramo do Direito, que é o mais humano de todos.
Se muito
vale o já feito, mais vale o que será. E assim em 2017 novas e importantes
questões estarão em pauta, tanto no Congresso Nacional, como na doutrina e nos
tribunais dando sequência natural a essa evolução. No Senado, o Estatuto das
Famílias — PLs 470/2013, elaborado pelo IBDFam e apresentado
pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA) —, se aprovado, substituirá todo o
livro de Família do Código Civil, introduzindo uma legislação muito mais de
acordo com a realidade das famílias. Fizemos pela primeira vez um PL em
história em quadrinho (HQ), copiando a ideia de Gilberto Freire (Cf. aqui) para facilitar a compreensão da
necessária evolução.
O STF
enfrentará em 2017 a polêmica questão das famílias simultâneas, que em
linguagem ultrapassada poderíamos chamar de concubinato. O RE 883.168-SC
decidirá se famílias constituídas paralelamente a outra podem ter direitos.
Talvez seja essa a questão mais polêmica de todas, pois entra em discussão o
princípio da monogamia em contraposição à dignidade de milhares de famílias que
se constituíram à margem da tradição. Uma história, e uma evolução, semelhante
à que se fez até 1988 com os filhos havidos fora do casamento, que eram
também considerados ilegítimos. Será que o STF vai repetir a injustiça
histórica e continuar negando a realidade e condenando essas famílias à
ilegitimidade, invisibilidade jurídica e social?
O STF
enfrentará também em 2017 a injusta questão da incidência de Imposto de Renda
sobre pensão alimentícia. O IBDFam propôs a Adin 5.422, defendendo a
inconstitucionalidade dessa incidência tributária. O processo está com o
ministro Dias Toffoli desde fevereiro de 2016.
Multiparentalidade,
socioafetividade, parcerias de paternidade, famílias simultâneas, poliafetivas
e todos as novas representações sociais da família, e outras que ainda nem
imaginamos, certamente voltarão ou entrarão em pauta em 2017 e abrirão
importantes discussões e reflexões para o Direito de Família e Sucessões. Muito
mais importante que tudo isso, o que se espera que entre em pauta com seriedade
é o questionamento ao cruel sistema de adoção no Brasil. O IBDFam já apresentou
suas sugestões ao anteprojeto do novo governo, para melhorar os processos de
adoção. Espera-se que o governo faça a sua parte. Não se pode achar normal que,
em 2017, as quase 50 mil crianças passem novamente um Natal sem família como
foi em 2016. Elas não podem continuar invisíveis, sem voz e sem vez.
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