Por permitir o acesso irrestrito, inclusive a mensagens antigas, o
espelhamento do aplicativo de mensagens WhatsApp, por meio da página WhatsApp
Web, não se equipara à interceptação telefônica.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
declarou nula decisão judicial que autorizou o espelhamento como forma de
obtenção de provas em uma investigação sobre tráfico de drogas e associação
para o tráfico.
A conexão com o WhatsApp Web, sem conhecimento do dono do celular, foi
feita pela polícia após breve apreensão do aparelho. Em seguida, os policiais
devolveram o telefone ao dono e mantiveram o monitoramento das conversas pelo
aplicativo, as quais serviram de base para a decretação da prisão preventiva
dele e de outros investigados.
Ao acolher o recurso em Habeas Corpus e reformar decisão do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, a 6ª Turma considerou, entre outros fundamentos, que
a medida não poderia ser equiparada à intercepção telefônica, já que esta
permite escuta só após autorização judicial, enquanto o espelhamento
possibilita ao investigador acesso irrestrito a conversas registradas antes,
podendo inclusive interferir ativamente na troca de mensagens entre os
usuários.
A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, afirmou que o espelhamento
equivaleria a “um tipo híbrido de obtenção de prova”, um misto de interceptação
telefônica (quanto às conversas futuras) e de quebra de sigilo de e-mail
(quanto às conversas passadas). “Não há, todavia, ao menos por agora, previsão
legal de um tal meio de obtenção de prova híbrido”, apontou.
O espelhamento de mensagens do WhatsApp se dá em página da internet na
qual é gerado um QR Code específico, que só pode ser lido pelo celular do
usuário que pretende usufruir do serviço. Nesse sistema, ocorre o
emparelhamento entre os dados do celular e do computador, de forma que, quando
há o registro de conversa em uma plataforma, o conteúdo é automaticamente
atualizado na outra.
Intervenção possível
A ministra Laurita Vaz destacou que, com o emparelhamento, os investigadores
tiveram acesso não apenas a todas as conversas já registradas no aplicativo,
independentemente da antiguidade ou do destinatário, mas também puderam
acompanhar, dali para a frente, todas as conversas iniciadas pelo investigado
ou por seus contatos.
A relatora ressaltou que tanto no aplicativo quanto no navegador é
possível o envio de novas mensagens e a exclusão das antigas, enviadas ou
recebidas pelo usuário. No caso da exclusão das mensagens, disse ela, o
conteúdo não pode ser recuperado para efeito de prova, em virtude da tecnologia
de encriptação ponta a ponta e do não armazenamento dos dados no servidor.
Assim, seria impossível ao investigado demonstrar que o conteúdo de uma
conversa sujeita à intervenção de terceiros não é autêntico ou integral.
Segundo a ministra, exigir contraposição por parte do investigado, em tal
situação, equivaleria a exigir “prova diabólica”, ou seja, prova impossível de
ser produzida.
“Cumpre assinalar, portanto, que o caso dos autos difere da situação,
com legalidade amplamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em
que, a exemplo de conversas mantidas por e-mail, ocorre autorização judicial
para a obtenção, sem espelhamento, de conversas já registradas no aplicativo
WhatsApp, com o propósito de periciar seu conteúdo”, afirmou a relatora.
De acordo com Laurita Vaz, no caso dos autos, seria impossível fazer uma
analogia entre o instituto da interceptação telefônica e a medida de
emparelhamento, por ausência de similaridade entre os dois sistemas de obtenção
de provas. De mero observador nas hipóteses de intercepção telefônica, o
investigador, no caso do WhatsApp Web, passa a ter a possibilidade de atuar
como participante das conversas, podendo enviar novas mensagens ou excluir as
antigas.
Acesso irrestrito
Além disso, enquanto a interceptação telefônica busca a escuta de conversas
feitas após a autorização judicial, o espelhamento via QR Code permite ao
investigador acesso irrestrito a toda a comunicação anterior à decisão da
Justiça, o que foge à previsão legal.
“Ao contrário da interceptação telefônica, que é operacionalizada sem a
necessidade simultânea de busca pessoal ou domiciliar para apreensão de
aparelho telefônico, o espelhamento via QR Code depende da abordagem do
indivíduo ou do vasculhamento de sua residência, com apreensão de seu aparelho
telefônico por breve período de tempo e posterior devolução desacompanhada de
qualquer menção, por parte da autoridade policial, à realização da medida
constritiva, ou mesmo, porventura — embora não haja nos autos notícia de que
isso tenha ocorrido no caso concreto —, acompanhada de afirmação falsa de que
nada foi feito”, afirmou a relatora.
Ao dar provimento ao recurso em Habeas Corpus, declarar nula a decisão
judicial e determinar a soltura dos investigados, a ministra ainda considerou
ilegalidades como a ausência de fato novo que justificasse a medida e a
inexistência, na decisão, de indícios razoáveis da autoria ou participação apta
a fundamentar a limitação do direito de privacidade. O processo tramita em
segredo de Justiça. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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