Em 27/12/2018, o presidente Temer sancionou, sem qualquer veto, o
aprovado Projeto de Lei 1.220/2015, de modo a incluir no ordenamento jurídico,
por meio de publicação no Diário Oficial da União de 28.12.2018, a Lei n.
13.786/2018, a qual quedou conhecida como a “Lei do Distrato”.
A norma supracitada, dentre outros pontos, agregou os artigos 35-A, 43-A
e 67-A à Lei n. 4.591/64, de modo a consolidar cláusulas contratuais que, há
muito, já vinham sendo aplicadas no mercado de imóveis brasileiro e que eram
questionadas, judicialmente, por adquirentes de unidades imobiliárias.
Este artigo possui o objetivo de examinar algumas dessas novas
disposições trazidas pelo Poder Legislativo. Na primeira parte deste breve
estudo, se fará um relato do atual mercado imobiliário do país e a defasagem
normativa acerca dos distratos contratuais suprida, agora, pela Lei n.
13.786/2018. Em sua parte dois, este escorço intelectual se debruçará sob os
artigos 35-A, 43-A e 67-A da Lei n. 4.591/64. Por fim, apresentar-se-á uma
sucinta conclusão.
A necessidade de promulgação da lei 13.786/2018
Como cediço, o legislador encontra-se limitado pelo seu próprio tempo, de modo
que, quando da promulgação da Lei n. 4.591/64, não se tinha a exata ciência das
dimensões a que chegariam as atividades da construção civil brasileira.
Destarte, ao longo dos anos, buscando acompanhar a sociedade legislada e
os seus anseios, foram sendo introduzidos artigos na norma que regula as incorporações
imobiliárias.
Inobstante essas atualizações normativas, não há como se olvidar que
existia um impasse acerca da resolução de contratos de compra e venda de
imóveis. Afinal, tendo se consolidado que um adquirente de imóvel poderia
pugnar por uma rescisão contratual, existia palpável dúvida quanto à quantia a
ser retida por parte das empresas do ramo imobiliário.
As obscuridades em sublinho foram trazidas ao conhecimento do Poder
Judiciário que, eventualmente, pacificou jurisprudência no sentido de que,
existindo culpa do comprador pelo desfazimento prematuro do negócio, deveria se
permitir com que as construtoras/incorporadoras retivessem, como um mínimo
indenizatório, de 10% a 25% dos valores pagos na vigência do pacto
avençado.
Para chegar à “dosimetria” da retenção em questão o julgador deveria,
nos termos do pacífico posicionamento do STJ, levar em consideração as
particularidades de cada caso concreto[1]
Ocorre que esse largo campo de atuação dos magistrados, de um certo
viés, acabara por trazer uma espécie de insegurança jurídica, eis que, muitas
vezes, decidia-se por uma retenção em patamar mínimo em uma mesma casuística em
que se teve, anteriormente, uma decisão por uma retenção em patamar superior.
É dizer, lamentavelmente, diversos magistrados vinham adotando um
genérico posicionamento de que, em qualquer hipótese, a despeito das provas
colacionadas aos autos e rechaçando-se pleitos de produção de prova que
evidenciariam os prejuízos suportados pelas construtoras, o promitente
comprador desistente faria jus a perceber 90% dos valores pagos durante a
vigência contratual.
Em inúmeras demandas com esse pano de fundo, sequer o tempo em que o
imóvel se manteve à disposição do comprador era levado em consideração.
Inclusive, mesmo que um adquirente quedasse em mora por anos na quitação do
preço, se via uma drástica redução da retenção a ser operada para o patamar de
10%, ou seja, uma mesma minoração aplicada, por exemplo, em favor de comprador
que havia desistido do pacto em menos de 1 (um) ano da assinatura do
instrumento de venda e compra.
Em sentido similar, se acabava por ignorar que, com a rescisão da compra
e venda, os imóveis acabariam retornando ao patrimônio das empresas vendedoras
e, conseguintemente, trariam prejuízos que, com a operação de venda, se
tornaram inesperadas, tais quais, por exemplo, o pagamento de verbas de
condomínio e impostos.
Em casos mais graves, com a solicitação de distratos durante a
construção do empreendimento (em especial aqueles incursos no regime de
afetação), diversas construtoras se viram descapitalizadas no meio do processo
de incorporação e, conseguintemente, suportaram atrasos na data de conclusão
ajustada, o que, logicamente, acarretou em pagamento de indenizações aos demais
adquirentes.
Veja-se que, com uma mínima retenção, ainda mais se considerando que as
empresas devolvem os valores remanescentes da constrição na forma atualizada, é
certo que, por conta da crise do mercado imobiliário, um determinado adquirente
de imóvel poderia voltar ao mercado e adquirir o mesmo bem por preço inferior
ao praticado na assinatura da primeira avença, o que levou a um aumento das
pretensões resilitórias e a um calvário da comercialização de imóveis[2].
E mais, autorizada doutrina já previa que a retenção de apenas 10% era
irrisória e, corolário lógico, incapaz de compensar a construtora quanto aos
gastos organizacionais e despesas de comercialização de seus produtos. A
respeito do que se pontua, tem-se como oportuno mencionar o entendimento de
Melhim Namem Chalhub[3]:
“(...)
Visando o estabelecimento de pena
convencional em nível razoável, o Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios e empresas incorporadoras da capital federal firmaram ‘Termo de
Compromisso’ n° 142/97, reformulado pelo ‘termo’ n° 460/01, que limita a multa
penal compensatória a 10% do valor atualizado do contrato, em caso de rescisão
por culpa do adquirente, antes da entrega da unidade imobiliária, devendo a
devolução ser efetivada ‘na mesma periodicidade e índice contratual utilizados
nos pagamentos efetuados pelo consumidor’.
O percentual fixado nesse patamar é
um pouco inferior, em ordem de grandeza, ao montante dos custos suportados pelo
incorporador com a organização do empreendimento, em proporção, e com as
despesas de comercialização.
(...)”
Continua, em nota de rodapé, ainda defendendo que haveria de se permitir
constrição superior a 10% dos valores pagos pelo adquirente desistente, o
doutrinador em evidência salientando que “é nesse sentido a mais recente
orientação da jurisprudência, de que são exemplos o REsp 59.870-SP e a Apelação
Cível 099.224-4/6, da 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP. Quanto ao REsp, diz
o voto do Min. Carlos Alberto Direito: ‘Não se pode transformar o contrato de
compra e venda em um contrato de poupança, e a tanto equivale um contrato que
autorizasse o comprador de um imóvel, financiado por 10 anos, a pedir a
devolução do que pagou porque no quinto ano não tinha condições de as
obrigações que assumiu. Não haveria mais segurança em contrato de compra e
venda de imóveis”.[4]
Com efeito, era cada vez mais concreto que a retenção mínima de
10% dos valores pagos pelo comprador desistente era completamente
defasada, mormente no que tange à recomposição patrimonial das empresas do
mercado da construção civil pelos prejuízos atrelados ao desfazimento dos
contratos de venda e compra antes da tradição.
Dessa forma, pode-se perceber que era importante um maior controle legal
a respeito da limitação da retenção realizada pelas incorporadoras em distrato
por culpa do comprador, o que culminou na recente promulgação da Lei n.
13.786/2018.
A nova legislação que rege os distratos
Esclarecidos os desenhos que levaram com que o legislador trabalhasse para fins
de estabelecer uma segurança quando da ocorrência de distratos de contratos que
envolvam venda e compra de imóveis, merecem ser tecidas considerações acerca de
alguns pontos da Lei n. 13.786/2018.
Como dito, a normativa em lume incluiu os artigos 35-A, 43-A e 67-A na
Lei n. 4.591/64.
De plano, é possível se observar que o artigo 35-A estabelecido na norma
em referência traz uma série de requisitos que deverão ser respeitados pelos
contratos que envolvam a compra e venda de imóveis no território nacional.
Confira-se:
“Art. 35-A. Os contratos de compra e
venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas
integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que
deverá conter:
I - o preço total a ser pago pelo
imóvel;
II - o valor da parcela do preço a
ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor
pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;
III - o valor referente à corretagem,
suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;
IV - a forma de pagamento do preço,
com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;
V - os índices de correção monetária
aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de
aplicação de cada um;
VI - as consequências do desfazimento
do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual
motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com
destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para
devolução de valores ao adquirente;
VII - as taxas de juros eventualmente
aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de
incidência e o sistema de amortização;
VIII - as informações acerca da
possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de
arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990
(Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de
vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;
IX - o prazo para quitação das
obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo
incorporador;
X - as informações acerca dos ônus
que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do
financiamento destinado à construção do investimento;
XI - o número do registro do memorial
de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de
registro de imóveis competente;
XII - o termo final para obtenção do
auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da
intempestividade prevista no art. 43-A desta Lei.
§ 1º Identificada a ausência de
quaisquer das informações previstas no caput deste artigo, será concedido prazo
de 30 (trinta) dias para aditamento do contrato e saneamento da omissão, findo
o qual, essa omissão, se não sanada, caracterizará justa causa para rescisão
contratual por parte do adquirente.
§ 2º A efetivação das consequências
do desfazimento do contrato, referidas no inciso VI do caput deste artigo,
dependerá de anuência prévia e específica do adquirente a seu respeito,
mediante assinatura junto a essas cláusulas, que deverão ser redigidas conforme
o disposto no § 4º do art. 54 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990
(Código de Defesa do Consumidor).”
Notadamente, essas características insculpidas no texto legal buscam
trazer uma maior transparência aos negócios jurídicos que envolvam a compra e
venda de imóveis, de modo a facilitar a cognição dos adquirentes quanto aos
termos do ajuste em que se imitiram.
A respeito da adição do artigo 43-A à Lei n. 4.4.591/64, tem-se a
positivação do entendimento jurisprudencial pela legalidade da cláusula
prevendo a extensão do prazo de conclusão de obra em 180 (cento e oitenta) dias
corridos. A propósito:
Art. 43-A. A entrega do imóvel em até
180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como
data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente
pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato
por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo
incorporador.
§ 1º Se a entrega do imóvel
ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente
não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do
contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos
e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da
resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.
§ 2º Na hipótese de a entrega do
imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e
não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente,
por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor
efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die,
corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.
§ 3º A multa prevista no § 2º deste
artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá
ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da
inexecução total da obrigação.
Por outro lado, considerando a expressa menção a “180 (cento e
oitenta) dias corridos”, rechaça-se a legalidade de cláusula contratual de
eventual expansão de prazo para obtenção da Carta de Habite-se prevendo
tolerância maior que aquele período, ou, em dias úteis.
No mais, a nova normativa deixa evidente que, ultrapassados os 180 dias
de tolerância, as construtoras poderão ser obrigadas a pagar multa em favor dos
compradores. Inclusive, a respeito das multas indicadas nos §1º e §2º daquela
disposição de lei, estabeleceu-se, ao menos em contratos de aquisição de
imóvel, que não merece prosperar eventual tentativa dos adquirentes de cumular
o recebimento de multa compensatória com multa moratória na hipótese de atraso
de entrega de obra.
Veja-se, de todo modo, que os adquirentes de unidade imobiliária,
atualmente, se encontram debaixo de uma tutela legal que dispensa maiores
interpretações. Tem-se, assim, uma maior segurança acerca do dever de indenizar
das construtoras na situação de desrespeito ao prazo de conclusão de obra
estipulado, em especial porque se estabeleceu uma reparação específica e a ser
realizada por meio de pagamento de importes com base de cálculo, alíquota e
periodicidade bem definidas (um por cento do valor efetivamente pago à
incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido
monetariamente conforme índice estipulado em contrato).
Especificamente quanto ao artigo 67-A da Lei n. 4.591/64, podem ser
destacadas a higidez da estipulação de cláusula penal em patamar de até 25% dos
valores pagos por um adquirente desistente/inadimplente em contratos envolvendo
imóveis não incursos no regime de afetação e a possibilidade de cumulação
daquela penalidade mínima com perdas e danos, a exemplo do permissivo do
parágrafo único do artigo 416 do Código Civilista.
Em que pese essa indicação de cumulatividade, fez-se uma limitação, não
aplicável na hipótese de o comprador inadimplente/desistente ter se imitido na
posse do bem, à constrição da totalidade dos valores pagos pelo comprador, ou
seja, ainda que os prejuízos suportados pelas empresas do ramo da construção
civil sejam superiores aos valores quitados tem-se esse “teto”. In verbis:
Art. 67-A. Em caso de desfazimento do
contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou
resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus
à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador,
atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção
monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:
I - a integralidade da comissão de
corretagem;
II - a pena convencional, que não
poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.
§ 1º Para exigir a pena convencional,
não é necessário que o incorporador alegue prejuízo.
§ 2º Em função do período em que teve
disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de
resolução ou de distrato, sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste
artigo, pelos seguintes valores:
I - quantias correspondentes aos
impostos reais incidentes sobre o imóvel;
II - cotas de condomínio e
contribuições devidas a associações de moradores;
III - valor correspondente à fruição
do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor
atualizado do contrato, pro rata die;
IV - demais encargos incidentes sobre
o imóvel e despesas previstas no contrato.
§ 3º Os débitos do adquirente
correspondentes às deduções de que trata o § 2º deste artigo poderão ser pagos
mediante compensação com a quantia a ser restituída.
§ 4º Os descontos e as retenções de
que trata este artigo, após o desfazimento do contrato, estão limitados aos
valores efetivamente pagos pelo adquirente, salvo em relação às quantias
relativas à fruição do imóvel.
Com relação à rescisão de contratos que se encontram sob a guarida dos
artigos 31-A e seguintes da Lei n. 4.591/64, nota-se a previsão de uma retenção
de até 50% dos valores pagos a título de mínimo indenizatório, é dizer,
cláusula penal. A propósito, observe-se o §5º do artigo em cotejo:
§ 5º Quando a incorporação estiver
submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a
31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente,
deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice
contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do
imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento
equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindose,
nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja
estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.
Certamente, essa disposição fora colocada por conta do interesse em se
proteger, no regime de afetação, o empreendimento e demais compradores. Diz-se
isso, porquanto os artigos 31-A a 31-F da Lei em análise foram insculpidos para
permitir com que o terreno cru, as acessões e os demais bens e direitos
vinculados à atividade incorporadora fossem apartados do patrimônio geral de
determinada empresa e destinados apenas à atividade construtiva que se propôs a
fazer aquela incorporadora, ou seja, ao empreendimento a ser erguido.
Em outras palavras, deu o legislador uma tutela especial a essa
atividade construtiva, fazendo com que os patrimônios destinados à construção
do empreendimento restassem excluídos dos riscos de constrição por dívidas ou
obrigações estranhas à sua verdadeira serventia, a exemplo do que ocorre no
caso do bem de família. Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira[5]:
“Os bens existem no patrimônio do
titular, ora com o encargo de serem transferidos para outrem, ora sob a
condição de o serem em determinadas circunstâncias, e, então, poderão, ou não,
ser transmitidos ou permanecer em definitivo.
Mas sempre como massa de bens e não
como um patrimônio distinto do sujeito. Por uma questão de linguagem, às vezes
são estes acervos bonitários apelidados de ‘patrimônios separados’, em atenção
aos fins a que se destinam certos bens, ou às circunstâncias de se impor ao
sujeito a sua discriminação, ou pela necessidade de se administrarem de maneira
especial. Não obstante, porém, a separação de tais acervos ou massas, o
patrimônio do indivíduo há de ser tratado como unidade, em razão da unidade
subjetiva das relações jurídicas”.
Portanto, o regime de afetação, mesmo porque todos os valores pagos
pelos compradores de imóveis de um determinado empreendimento são revertidos em
prol daquela própria construção, buscou trazer uma segurança maior ao mercado
imobiliário. Reforçando essa ideia é que o Código dos Ritos atual previu,
no inciso XII de seu artigo 833, a impenhorabilidade dos “créditos oriundos de
alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária,
vinculados à execução da obra.”
Assim, tentou o Poder Legislativo, por meio do §5º do artigo 67-A
supratranscrito, proteger a construção como um todo e os demais adquirentes de
que a construtora se encontre, em razão de muitos distratos, sem meios de
concluir a obra proposta. Até com base nessa justificativa é que, naquele
parágrafo legal, se pontua que a devolução de valores advindos das rescisões só
ocorrerá após a expedição da Carta de Habite-se e, destarte, após a conclusão
da obra.
Também, verifica-se importante avanço ao permitir que as empresas
construtoras retenham valores para quitar com encargos condominiais e de
impostos direcionados ao imóvel.
Através do inciso II do artigo 67-A aqui em lume, privilegiou-se fazer
com que os entes condominiais não tivessem obstadas as suas atividades por
discussão levada a cabo entre vendedora e comprador. Manifestando-se
diferentemente, em caso de distrato, já se tem, na mesma linha do artigo 395 do
Código Civilista, esclarecida a responsabilidade do comprador
inadimplente/desistente pelos ônus provenientes da sua mora, de modo que o ente
condominial poderá direcionar a sua pretensão àquela pessoa (ou, diante do
caráter propter rem daquelas verbas, à construtora que, desde
logo, possui positivado uma espécie de direito de regresso).
Por fim, é de rigor realçar que, mais uma vez, fez constar o legislador
que, realizado o procedimento de leilão (judicial ou extrajudicial), há de se
aplicar os pressupostos legais específicos. Verifique-se o §14º do artigo 67-A
em questão:
§ 14. Nas hipóteses de leilão de
imóvel objeto de contrato de compra e venda com pagamento parcelado, com ou sem
garantia real, de promessa de compra e venda ou de cessão e de compra e venda com
pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, realizado o leilão no
contexto de execução judicial ou de procedimento extrajudicial de execução ou
de resolução, a restituição far-se-á de acordo com os critérios estabelecidos
na respectiva lei especial ou com as normas aplicáveis à execução em geral.
Ao trazer essa situação, pode-se afirmar que o Poder Legislativo suscita
a necessidade de que as incorporadoras, incorrendo em gastos com aqueles
procedimentos de leilão, deverão ser ressarcidas, nos exatos termos do artigo
63 e parágrafos da própria Lei n. 4.591/64. Obviamente, a limitação imposta na
máxima da integralidade dos valores pagos pelo comprador
inadimplente/desistente é aplicável nessa hipótese.
Existem, ainda, diversas disposições trazidas nos parágrafos do artigo
67-A da Lei n. 4.591/64, contudo, apesar de interessantes, estas são
cristalinas e dispensam maiores comentários, mesmo porque este trabalho se
limita a interpretar as questões mais nodais das novas inteligências legais.
Conclusão
Com base nos comentários suscitados, visualiza-se que, de fato, o mercado
imobiliário necessitava de um maior amparo legal no regramento que rege as
relações de venda e compra de imóveis, em especial na celeuma atrelada à
possibilidade de rescisão de negócio jurídico e percentual de retenção a ser
aplicado pelas construtoras não culpadas pela finalização do pacto.
Evidentemente, não havia como se manter uma insegurança jurídica a
respeito daqueles negócios, cabendo ao legislador trazer, minimamente, as bases
de eventuais términos contratuais por inadimplência/desinteresse dos
adquirentes, o que fora cumprido com a edição da Lei n. 13.786/2018.
É por esse motivo que se entende que no artigo 67-A da lei de
incorporações são indicados parâmetros justos de retenção de importes,
diminuindo drasticamente a discricionariedade observada no Poder Judiciário
durante os últimos anos e, ainda, indicativo de ilegitimidade das construtoras
para fins de responder pelo pagamento de impostos e taxas condominiais
inerentes ao período em que o imóvel esteve à disposição do comprador
desistente/inadimplente mediante o pagamento do preço (sem, de toda sorte,
impedir que, diante do caráter propter rem de tais cobranças,
estas sejam destinadas à construtora que terá um direito de regresso).
Outrossim, a nova norma trouxe importantes considerações quanto à
impossibilidade de cumulação de multa compensatória e moratória, concluindo-se,
com a edição do § 3º do artigo 43-A trazido pela Lei n. 13.876/2018, que, no
presente momento, tem-se expressa vedação a respeito de pedidos nesse sentido.
Por todos esses pontos, diz-se que, apesar de curtos, os novos
dispositivos legais apresentados e colocados em vigor são de suma importância
para todo um segmento tão presente no mercado brasileiro, sendo certo que a
interpretação destes ajustes por parte dos julgadores deve ser aguardada com
ansiedade.