Em atenção aos fatores de mercado e suas consequências no preço de
imóveis, a Lei 8.245/1991, que regula a locação de imóveis urbanos, mais
especificadamente em seu artigo 19, possibilitou a revisão judicial do valor do
aluguel fixado pelas partes após o transcurso de três anos de vigência do
contrato ou de acordo anteriormente realizado. Busca-se, com isso,
“compatibilizar o aluguel com o mercado”[1],
sendo necessária uma diligente avaliação do imóvel para a fixação do aluguel ao
preço de mercado[2].
Nesse ambiente, surge relevante debate quanto às consequências
pecuniárias da realização no imóvel de benfeitorias e/ou acessões pelo
locatário e os seus reflexos no âmbito da ação revisional ou da ação
renovatória no âmbito da fixação do aluguel.
De um lado, sustenta-se que tais benfeitorias e/ou acessões, ao se incorporarem
ao imóvel de propriedade do locador, legitimam-no a majorar o aluguel
estabelecido no contrato de locação pelo fato de o locador ter o direito de
gozar dos frutos de sua propriedade.
De outra banda, argumenta-se que a avaliação do imóvel não deve
considerar as acessões e/ou benfeitorias realizadas pelo locatário, tendo em
vista que a ação revisional possui o condão de simplesmente ajustar o aluguel
contratado ao preço de mercado para corrigir distorções, devendo considerar as
características do imóvel ao tempo da contratação.
Atualmente, a questão parece ter sido pacificada pelo Superior Tribunal
de Justiça no sentido de que, em ação revisional, o novo aluguel deve ser
estabelecido desconsiderando-se eventuais edificações e/ou melhoramentos efetuados
às expensas do locatário[3].
Ao nosso sentir, esse entendimento parece ser o correto, caso as partes não
tenham disposto de forma diferente no contrato de locação. Daí a importância de
uma assessoria jurídica especializada para endereçar adequadamente essas
questões.
Esse entendimento que desconsidera as edificações e/ou benfeitorias
deve-se ao fato de que a mera revisão do aluguel contratual, o qual pode ser
ajustado a cada três anos para se restabelecer o equilíbrio contratual, não
possibilita a modificação do objeto do pacto. Conforme ponderado pelo
ministro Antônio Carlos Ferreira, “a revisional de aluguel é ajuizada na
vigência do contrato, permanecendo hígida a mesma relação contratual, com
idênticas cláusulas e com o mesmo imóvel, com suas características originárias
à época da contratação”, motivo pelo qual “nada é modificado, senão o próprio
aluguel, para efeito de ajustá-lo ao preço de mercado, na forma do art. 19 da
Lei 8.245/1991, restabelecendo o equilíbrio contratual à luz do imóvel
original”[4].
Diversa é a situação quando se está diante de ação renovatória de
locação — prevista pela Lei 8.245/1991, nos artigos 51, 52 e 71 e seguintes —,
que gera um novo contrato, no qual podem ser mantidas ou não as cláusulas do
contrato vencido e objeto da renovação[5].
Distinguem-se, nessa hipótese, o contrato encerrado e o contrato obtido com a
ação renovatória, a partir do que “as acessões/benfeitorias realizadas pelo locatário
somente podem ser consideradas na ação renovatória de aluguel, e não na ação
revisional de aluguel”[6].
A questão foi objeto de ampla discussão no STJ. Em 1996, o ministro
Luiz Cernicchiaro, da 6ª Turma do STJ, relator do Recurso
Especial 98.071/SP, afirmou que a valorização imobiliária decorrente de
investimentos feitos pelo locatário já beneficiaria o locador, assim não podendo
ser essa circunstância utilizada para majorar o aluguel, sob pena de
enriquecimento sem causa[7].
Em sentido oposto foi o julgamento do Recurso Especial 201.563/RJ, em
2001, pela mesma 6ª Turma do STJ. Nessa oportunidade, o minsitro Vicente Leal
destacou que “o quantum devido a título de locativo deve corresponder
necessariamente ao valor patrimonial do imóvel”, de modo que benfeitorias e
acessões, ainda que realizadas às expensas do locatário, não podem ser
desconsideradas “para efeito de precisar o cálculo do novo aluguel, de vez que
já se incorporaram ao domínio do locador, proprietário do bem”[8].
Ressalva-se, contudo, que o voto do relator se pautou em precedentes que
tratavam de ação renovatória de aluguel — que, como acima indicado, possui
tratamento jurídico diverso da ação revisional.
Em 2015, foi julgado o já referido Recurso Especial 1.411.420/DF, no
qual prevaleceu a tese de distinção entre ação revisional e ação renovatória,
pontuando-se que, na hipótese de revisional, as acessões do locatário não devem
ser consideradas no cálculo do novo valor do aluguel, enquanto na hipótese de
ação renovatória elas poderão ser levadas em consideração na fixação do
aluguel. No entanto, contra o acórdão foram opostos embargos de divergência[9],
oportunidade em que se aventou, no âmbito do STJ, a existência de dissídio
jurisprudencial quanto a questão ora posta.
Prevaleceu o voto do relator, ministro Humberto Martins, por maioria, no
sentido da inexistência de dissenso na corte. Isso, porque, no caso concreto,
discutia-se a realização de acessões e ação revisional, enquanto os casos
paradigmas discutiram simples benfeitorias e ações renovatórias — reforçando a
existência de diferentes efeitos jurídicos em cada situação.
Em 2018, o STJ, ao julgar Agravo Interno nos Embargos de Declaração do
Recurso Especial 1.727.589/SP[10],
fortaleceu o entendimento de que devem ser desconsideradas, para efeitos de
fixação de novo valor de aluguel no âmbito de ação revisional, as acessões
realizadas no imóvel pelo locatário, eis que nesse caso não há uma nova
pactuação, diferentemente da hipótese da ação renovatória. Ademais, importante
notar que a decisão prestigiou a vontade das partes e a importância de regular
esse particular no contrato de locação, ao mencionar que no contrato em
discussão “há cláusula expressa no contrato de locação esclarecendo que as
benfeitorias edificadas pela locatária (ESCOLA) não poderiam justificar a
majoração do valor do aluguel”.
Oportuno ainda ressaltar que os tribunais estaduais têm respeitado o
posicionamento do STJ, distinguindo os efeitos jurídicos decorrentes da ação
renovatória e da ação revisional e, consequentemente, evitando a majoração do
aluguel com base em investimentos feitos pelo locatário em se tratando de ação
revisional[11].
Essa temática, como se vê, pode variar em razão da situação fática e de
acordo com a ação locatícia que se pretende entabular. Caberá às partes e a
seus procuradores analisarem os fatos e as cláusulas específicas de cada
contrato e de cada caso concreto para fins de delimitação de sua estratégia
contratual e processual.
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