A possibilidade de os filhos retirarem o nome da mãe ou do pai de seus
registros é excepcional, mas deve ser concedida se houver motivo que justifique
a atitude. Isso porque a relação paternal não surge apenas com a ligação
biológica e a supressão da ligação com os genitores é parte do princípio da
dignidade da pessoa humana. O entendimento é da 3ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Espírito Santo.
No caso, o colegiado garantiu que quatro filhos abusados pela mãe
enquanto menores de idade retirassem o nome da genitora de seus documentos.
Eles foram representados pelo advogado José Eduardo Coelho Dias. A acusada foi condenada em segundo
grau depois de ser inocentada em primeira instância. A ação transitou em
julgado em 2012.
As acusações contra a mãe dos autores da ação foram confirmadas por
depoimentos de seus filhos, além de relatórios de psicólogos e psiquiatras. Em
primeiro grau, o juiz de origem afirmou que os menores eram influenciados por
seu pai, que queria punir sua ex-companheira, que tinha pedido o divórcio.
No entanto, o relator da 3ª Turma, desembargador Samuel Meira
Brasil Júnior, reformou a decisão. Em seu voto, ele destacou que “a maternidade,
assim como a paternidade, não é um ato biológico. Não podemos classificar como
uma maternidade, uma paternidade jurídica, o simples fato de gerar uma
criança”.
O desembargador apontou que o registro civil é, em regra, imutável, mas
admite a retificação "em hipóteses excepcionais, com justa
motivação". Para ele, a permissão atende ao princípio constitucional da
dignidade humana.
“A retirada do nome daquela que gerou a prole contribuía para auxiliar
os filhos a desapegarem, se é que isso será possível algum dia de suas vidas,
de situação de aflição e angústia inerentes à lembrança, já marcada em seus
respectivos desenvolvimentos psíquicos”, diz a decisão.
Caso polêmico
A supressão do nome materno pelos autores da ação é mais um capítulo de uma
história que começou em 2005 e envolveu a advogada capixaba Karla Pinto,
condenada a seis anos de prisão acusada de caluniar dois juízes do estado, os
primos Carlos e Flávio Moulin, que atuam em Vila Velha (ES).
Ela foi condenada pelos crimes de denunciação caluniosa (5 anos e 2
meses de prisão) e difamação (8 meses) depois de denunciar os juízes por
supostos abusos na condução do processo envolvendo os autores da ação que pedia
a retirada do nome da mãe dos documentos. A advogada foi
presa antes do trânsito em julgado da ação e permaneceu encarcerada até ser solta pelo Supremo
Tribunal Federal.
Karla Pinto representava o pai dos então menores, responsável pela
acusação de abuso. O homem pedia o divórcio e a guarda dos filhos. Com a
negativa do pedido em primeira instância, ela denunciou Carlos Moulin à
Corregedoria do TJ-ES e ao Conselho Nacional de Justiça.