A necessidade de agilizar e desburocratizar é reiterada em todos os
debates sobre o sistema de registros públicos imobiliários. No entanto, o senso
comum não deve pautar o foco de atuação do poder público, na opinião do
professor Benito Arruñada, especialista na
matéria. Para ele, os serviços de cartório precisam se preocupar mais com
segurança e qualidade.
Arruñada dá aulas na Universidade Pompeu Fabra de Barcelona (Espanha) e
esteve no Brasil na última semana para encerrar o VII Fórum de Integração
Jurídica, organizado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil
(Anoreg/BR).
“Um registro rápido gera economia, mas se não mantivermos a qualidade e
a segurança, estaremos encarecendo as transações”, observou Benito Arruñada,
conhecido internacionalmente por seus trabalhos de análise de sistemas
registrais imobiliários e sua perspectiva institucional para dinamização dos
negócios.
“Para comprar uma casa, fazer uma hipoteca, o essencial não é que se
consiga fazer um registro em dez, 15 dias, mas que a transação seja segura.
Claro que é bom que também seja rápido, mas o ganho com a celeridade é
insignificante se comparado com a segurança”, afirmou, durante o evento, no
Senado.
Na sua avaliação, o Brasil está “razoavelmente bem” em termos de
sistemas de registros públicos de imóveis, podendo ser comparado a países como
Espanha e França, onde esses serviços procuram aliar rapidez e segurança para o
usuário.
Ele se mostrou, durante sua palestra, um crítico das políticas
inspiradas pelo Banco Mundial (Bird) pra a modelagem dos sistemas de registros
públicos de propriedade. Para ele, essas políticas embutem várias armadilhas,
tornando suas estatísticas vistosas, mas seus resultados práticos discutíveis,
quando não desastrosos. Cita como exemplo o sistema de hipotecas dos EUA,
principal responsável pela mais recente crise econômica.
O professor é receoso em relação a reformas do sistema: “Temos de ter o
cuidado para que países que têm um bom sistema de registros, como os exemplos
do Brasil e Espanha, não façam uma reforma que pode parecer muito bonita, mas
com ganhos muito pequenos ou discutíveis, destruindo o essencial”.
Leia a entrevista:
Como o senhor avalia, a partir de
suas análises sobre os sistemas registrais imobiliários de diversos países, a
importância da desburocratização desses serviços?
Benito Arruñada - Não acho que desburocratizar seja a prioridade absoluta. Desburocratizar
é bom; no entanto, creio que nãos seja tudo. A prioridade é não cometer erros,
inclusive se tem uma organização de registro que o custo seja baixo, que é um
custo razoável e que produz serviços de qualidade, o prioritário é não
destrui-la. O que estou vendo em muitos países é que nessas organizações de
registro, que funcionam razoavelmente bem, é que as pessoas tendem a não dar
valor suficiente para elas, uma vez que estão funcionando razoavelmente.. E às
vezes com essas políticas, como as inspiradas pelo Banco Mundial, tendem a ter
resultados que são discutíveis. Essencialmente, elas se fixam no que não é
prioritário. Por exemplo: para comprar uma casa, fazer uma hipoteca, o
essencial não é que se consiga fazer um registro em dez, 15 dias. Realmente,
prioritário é que a transação seja segura. É bom que além de seguro seja
rápido, mas o ganho é insignificante quando comparado com a segurança, que é
mais importante.
O senhor faz uma distinção então
entre rapidez, que não seria o prioritário nesses sistemas, e a segurança –
essa sim fundamental?
Benito Arruñada - Se fizermos um registro rápido, há uma economia, mas se não
mantivermos a qualidade e a segurança, estaremos encarecendo as transações.
Esses planos de desburocratização, como os realizados pelo Banco Mundial,
esquecem completamente dos de seus efeitos, que são os custos de contratar no
futuro. Fazem coisas para simplificar os registros, sem se darem conta que isso
pode aumentar os custos no futuro.
Os Estados Unidos enfrentaram uma
grande crise hipotecas no final dos anos 1990 e quais foram os ensinamentos
dela para os sistemas dos cartórios de registros de imóveis?
Benito Arruñada - Eles tiveram uma crise hipotecária colossal, que praticamente paralisou
todos os registros, porque os registros de propriedade eram, e são, um
desastre. Os bancos começaram a criar um sistema privado de registros de
hipoteca, a partir de metade dos anos 1990, que também funciona mal. Resumindo,
estão pagando hoje as consequências de terem, no passado, feito registros
ruins. Então, temos de ter o cuidado para que países que têm um bom sistema de
registros – como os exemplos do Brasil e Espanha – não façam uma reforma que
pode parecer muito bonita, mas que tem ganhos muito pequenos ou discutíveis,
destruindo o essencial.
Parece difícil mensurar a eficiência
desses custos por um único ângulo, seja o da desburocratização ou da segurança
e qualidade...
Benito Arruñada - A eficiência tem elemento de custo, mas também de valor. Nas políticas
de simplificação, o que se costuma fazer é centrar-se muito no custo, mas de
forma ingênua, porque se voltam somente para alguns itens. Por exemplo: fazem
políticas que consistem em baratear os custos para o usuário e, para isso,
investem em grandes sistemas, que na Espanha chamamos de guichê de atendimento
rápido (“one stop shop”), um lugar público onde o cliente ou o empresário pode
fazer todos os trâmites cartorários. Isso é redução de custos? Não. Para o
usuário, pode parecer que ele paga menos, mas quem paga por esse guichê rápido
é ele mesmo, através de impostos embutidos. Os custos aumentam de uma maneira
perversa, porque, num sistema convencional, é o próprio usuário que gera o
custo ao levar o papel para que seja registrado. Há também uma troca entre os
custos privados e públicos, que no final das contas são todos privados
(impostos embutidos, pagos pelo usuário/contribuinte). É preciso simplificar,
mas todas as propostas devem ser analisadas com rigor.
E como está o Brasil, em termos de
prazos e custos para os registros públicos de imóveis, em relação ao resto do
mundo?
Benito Arruñada – Pelos dados que conheço, o Brasil está bem, sobretudo em termos de
prazo. Estão similares aos países com sistema mais avançados, levando de 20 a
25 dias para o registro de propriedades. Mas, em termos de ganho, os dados
podem ser um pouco enganosos. Os países da OCDE aparecem no levantamento do
Banco Mundial com 21 dias em média para efetivação de um registro. Muitas vezes
esses números se referem aos registros eletrônicos, não em papel físico. E as
cifras do Brasil, pelo que entendo, são de dados referentes a registros em
papel. Esses números podem trazer uma armadilha. Em cidade como Nova York, por
exemplo, muitos trâmites que não são obrigatórios, mas que representam custos,
como ir a um advogado para comprar uma casa, não são computados. E lá se consultam
dois ou três advogados para uma transação imobiliária – e nada disso aparece
nas estatísticas dos registros.
0 comentários:
Postar um comentário