O administrador público não pode aplicar nem uma singela pena de
advertência ao servidor sem, antes, dar-lhe o direito de explicação. Afinal,
será sobre esse conteúdo de defesa que ele decidirá se mantém ou revoga a
penalidade. Por desconsiderar essa exigência administrativa básica, a
2ª Turma Recursal da Fazenda Pública, dos Juizados Especiais do Rio Grande
do Sul, condenou a Prefeitura de Uruguaiana a pagar R$ 10 mil a um motorista que sofreu
assédio moral do superior hierárquico. Ao contrário do juízo de origem, o
colegiado viu abuso de direito na conduta do chefe do servidor, que lhe aplicou
as advertências sem ouvi-lo e ainda deixou-o sem trabalhar, de ‘‘castigo’’, por
meses, causando-lhe um quadro de depressão.
O autor contou na inicial que estava em fase de estágio probatório
quando recebeu duas advertências seguidas de seu chefe, sem direito
de defesa. Nas duas, por ter se ausentado do trabalho sem justificativa.
Embora tenha justificado as ausências, inclusive levando documento que atestou
sua visita ao posto de saúde, essas explicações não foram acostadas nas
advertências escritas. Seis meses depois, ele levou mais duas advertências —
por abandono de veículo na via pública, desobediência e por se negar a cumprir
diligências determinadas pela chefia. Nesta última, admitiu, de fato, que se
negara a fazer serviços fora do horário de expediente, ante à proibição de
fazer horas extras sem expressa autorização do Poder Executivo.
A juíza Ana Beatriz Rosito de Almeida Fagundes, do Juizado Especial da
Fazenda Pública de Uruguaiana, não viu ilegalidade nos atos administrativos da
municipalidade, já que fundamentados no Estatuto dos Servidores do Município.
Ressaltou que o exame judicial deve se ater somente à forma do procedimento
levado a cabo pela administração. Ou seja, o Poder Judiciário não pode
enfrentar as questões de mérito que permeiam os atos administrativos, em
função do princípio da separação dos poderes.
Conforme a julgadora, o juiz só pode intervir nas decisões da
administração pública se os atos ferirem a legalidade e/ou princípios que
incidem sobre o procedimento, como o princípio do contraditório e da ampla
defesa. ‘‘Por fim, a prova testemunhal colhida nos autos, não corrobora a tese
da parte autora, no sentido de que foi vítima de constrangimento ou perseguição
por parte do secretário municipal da Indústria e Comércio. As testemunhas afirmaram
desconhecer os motivos pelos quais o autor foi advertido, bem como de que nunca
presenciaram qualquer ato de represália por parte do secretário contra o
autor’’, justificou na sentença.
Princípios violados
O relator do Recurso Inominado na 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública, juiz
Mauro Caum Gonçalves, disse que o referido estatuto não autoriza a aplicação da
penalidade sem dar chance de defesa ao servidor. A justificativa, ao menos,
deveria ser apreciada, para provocar uma resposta da administração pública, a
cerca da sua manutenção ou cancelamento. A seu ver, a ausência desses cuidados
viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal, constitucionalmente assegurados, já que a sua reiteração poderia ocasionar
a aplicação de penalidade mais grave.
Gonçalves também viu abuso nas avaliações do autor, que passava por
estágio probatório e temia não ser efetivado na função. Ele apontou a ‘‘total
incongruência’’ entre os depoimentos prestados pelas testemunhas e as informações
lançadas nas avaliações pelo seu chefe. Tal constatação confirmou a afirmação
de que o servidor vinha sofrendo constantes perseguições e retaliações do
superior hierárquico por se negar a trabalhar em jornadas extraordinárias. Na
visão do relator, não há como interpretar essa negativa como indisciplina ou
afronta à ordem superior, na medida em que é direito do servidor negar-se a
praticar ordem manifestamente ilegal.
‘‘Dessa forma, tenho que o acervo probatório colacionado aos autos
demonstra, sem sombra de dúvidas, que o autor foi alvo de assédio moral
perpetrado pelo seu superior hierárquico, na medida em que foi submetido à
conduta abusiva, de forma sistemática, reiterada e por um período prolongado de
tempo, ficando exposto a situações humilhantes em seu local de trabalho em face
das perseguições e retaliações sofridas’’, registrou em seu voto, acolhido
por maioria no colegiado.
0 comentários:
Postar um comentário