Em época de direito penal máximo, em
que há uma preocupação exacerbada com a condenação do “colarinho branco”, ou
dos empresários, fatos claramente típicos (criminosos) cometidos contra as
empresas têm sido ignorados. Coisas de política criminal…
O volume de demandas trabalhistas
ingressadas sob o manto do pedido de justiça gratuita tem se multiplicado.
Escondidos no grupo daqueles que efetivamente não têm capacidade financeira
(aos quais o Estado certamente deve assegurar o acesso à Justiça), encontram-se
os que já descobriram as facilidades de uma declaração falsa de
hipossuficiência jurídica.
Antigamente, os tribunais pátrios
foram peremptórios em reconhecer a tipicidade da conduta daquele que assina, de
má-fé, declaração de pobreza para obter os benefícios da assistência gratuita,
sem apresentar de fato situação de miserabilidade jurídica (STJ, 5T, RHC 21628,
Rel. Min. Laurita Vaz, publ. em 09/03/2009). Hoje, a jurisprudência oscila. São
majoritários aqueles que se inclinam a proclamar que a conduta em questão já
não mais deve ser considerada assunto penal, diante da presunção relativa do
documento de declaração de pobreza, que comportaria prova em contrário.
Não
obstante, chamamos atenção àqueles que vislumbram que “o fato dadeclaração
de pobreza estar sujeita a controle posterior não elimina a tipicidade da
conduta, sob pena de se transferir àquele que é o
destinatário da declaração falsa a responsabilidade sobre a conduta do
declarante” (TRF3, 1T, HC 0009780-85.2013.4.03.0000, Rel. Juiz convocado
Paulo Domingues, publ. em 22/07/2013). Nada mais sensato.
É
irresistível não se atentar aos efeitos práticos do tratamento jurídico do
Reclamante que se diz pobre, mas não é. Nos termos de consolidado entendimento
do TST, "basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na
petição inicial, para se considerar configurada a situação de
miserabilidade econômica” (TST, 6T, RR-845-33.2010.5.02.0444,
Min. Aloysio Corrêa da Veiga, publ. em 08/10/2014). Em teoria, alega-se tratar
de presunção "juris tantum” de veracidade. Na prática, não há espaço para
instauração de incidente para demonstração contrária. E fica por isso mesmo,
ainda que a empresa Ré carreie aos autos indícios de liquidez do Reclamante,
por exemplo, um novo emprego e a garantia de uma nova fonte de renda (como no
acórdão supracitado).
E vamos a situações da vida real: não
são incomuns casos em que o Reclamante se diz miserável e ostenta em suas redes
sociais viagens à Europa, carros importados, filhos na Disney e outros luxos.
Mas de volta às inspirações
epistemológicas. Aqui importa que o fato de a declaração de pobreza estar em
tese sujeita à análise judicial, não afasta a tipicidade da falsidade
ideológica. Afinal, o crime em questão é formal (é consumado independentemente
do resultado). Portanto, se basta a simples afirmação de miserabilidade
econômica nos autos trabalhistas para a produção dos seus respectivos efeitos,
reside aí a potencialidade lesiva de uma mentira. Eventual comprovação em
contrário (ah, prova diabólica…), evita a concretização dos benefícios de
justiça gratuita indevidos, mas o crime já se consumou. De mais a mais, existem
crimes materiais (de resultado), cujas pressupostas declarações estão
"sujeitíssimas" à verificação estatal e, ainda assim, se falseadas,
são criminosas, como a sonegação fiscal por falsa declaração de imposto de
renda (artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137/90).
Necessário combater o bom combate. Há
aqueles que entendem que os custos de sua demanda trabalhista são simplesmente
altos a ponto de comprometer sua subsistência, mas têm seu pedido indeferido.
Não há modalidade culposa para o crime de falsidade ideológica. Mas há aqueles
que se valem de uma simples afirmação sabidamente falsa, para usufruir de
benefícios aos quais não fazem jus. Tal conduta amolda-se ao ao tipo previsto
no artigo 299 do Código Penal brasileiro.
A estes, tem-se permitido prematura
redenção via orientação jurisprudencial majoritária. É hora de enfrentar o fato
de que a imediata concessão dos benefícios da justiça gratuita, por meio de uma
simples declaração de pobreza, no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda que
legítima, é benesse sujeita à incidência penal, quando a declaração em questão
é dolosamente falseada. Sujeita ou não à comprovação em contrário. E que a
Justiça seja feita também a favor das empresas.
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