É inconstitucional
levar pessoas à força para interrogatórios. Assim decidiu a maioria do Supremo
Tribunal Federal, nesta quinta-feira (14/6), na terceira sessão de análise
sobre o tema. A decisão não anula depoimentos já colhidos anteriormente por
meio desse instrumento.
Em voto vencedor, Gilmar Mendes declarou que conduções coercitivas
viraram ferramenta de execração de investigados e espetacularização de
operações policiais.
O Plenário declarou
que o artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela
Constituição por violar o direito dos cidadãos de não produzir provas contra si
mesmos — ou o direito à não autoincriminação. O artigo está na redação
original do CPP, de 1941, mas a prática só se tornou frequente a partir de
2014, com a operação “lava jato”. Desde então, foram 227 conduções coercitivas,
segundo o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.
A corte apreciou
duas ações, uma de autoria do PT e outra, do Conselho Federal da OAB.
Elas pediam a proibição das conduções coercitivas. De acordo com as ADPFs,
a prática fere o direito do cidadão de não se autoincriminar.
Na quarta, a posição que prevalecia era
pela admissibilidade da medida. Com os votos colhidos no julgamento desta
quinta, o placar virou, registrando 6 votos a 5.
Predominou o entendimento do ministro relator, Gilmar
Mendes, que foi acompanhado por Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski,
Marco Aurélio e Celso de Mello. Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson
Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a presidente, Cármen Lúcia, ficaram
vencidos.
Na continuação do
julgamento, o ministro Dias Toffoli disse que autorizar conduções forçadas seria
criar uma nova possibilidade. De acordo com ele, nenhum juiz tem poder geral de
cautela para atingir liberdade de ir e vir de alguém. "É chegado, sim, o
momento desta Suprema Corte, na tutela de liberdade de locomoção, impedir
interpretações criativas, que atentem contra o direito fundamental de ir e vir
e a garantia do contraditório, ampla defesa e não autoincriminação",
disse.
Além da corrupção
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou o caso em que a Polícia Civil invadiu uma festa em
Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, e prendeu 159 homens, sob o argumento
de que se tratava de evento organizado por milicianos. Ele disse ainda que é
preciso estar atento porque "a cada 25 ou 30 anos vivemos um
retrocesso".
"Esses jovens
foram conduzidos coercitivamente, ou, como se dizia há não muito tempo, presos
para averiguações, simplesmente porque estavam se dirigindo a um baile funk
supostamente organizado por milicianos. Nada tem a ver com a prisão de acusados
ricos ou com a tentativa de combate à corrupção", disse o ministro, em
referência a votos de colegas que defenderam o uso da medida no combate à corrupção
e à leniência do Estado perante delitos praticados por autoridades,
empresários.
Lewandowski disse que jurisprudência do STF baseia-se em casos de
pessoas pobres, sem intuito de proteger privilegiados.
Lewandowski também
respondeu fala do ministro Barroso sobre o que chamou de "surto de
garantismo" do tribunal quando a Justiça começou a quebrar um "pacto
oligárquico" ao punir crimes de colarinho branco. A jurisprudência
garantista do Supremo, conforme Lewandowski, "não constitui nenhuma
novidade, sempre construída a partir de casos de pessoas pobres, desempregadas,
subempregadas e de pequeno poder aquisitivo”.
Marco Aurélio
reforçou o coro ao sustentar que o instrumento não é exclusivo a crimes de
colarinho branco. "Um juiz não pode julgar a partir de uma
ideologia." Ele afirmou que todos querem um Brasil melhor, mais
justo, sem corrupção. "Mas não podemos partir para o justiçamento, de não
ter-se mais segurança jurídica, colocando a sociedade em sobressaltos",
disse.
Para o decano da
corte, ministro Celso de Mello, a condução coercitiva para interrogatório é
inadmissível do ponto de vista constitucional, tendo em vista tanto o princípio
do direito a não se autoincriminar como da presunção da inocência. "Há
necessidade de se dar proteção efetiva ao devido processo legal, no sentido de
que o processo penal é meio de contenção e delimitação dos poderes dos órgãos
incumbidos da persecução penal", disse.
“Aquele que se acha
sob persecução penal possui direitos e titulariza garantias plenamente
oponíveis ao Estado e seus agentes. Nesse ponto residindo a própria razão de
ser do sistema de liberdades públicas, que se destina a amparar o cidadão contra
eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal”,
disse o decano. Ele entende a medida como uma coação.
Cármen Lúcia considerava adequada a medida apenas quando investigados ou
réus ignorassem intimação prévia.
Celso de Mello enfatizou
ainda que o ônus da prova é do Estado. "Todas as dúvidas devem ser
interpretadas em favor do arguido, que não deve contribuir para a sua própria
incriminação.
Portanto, ele não
tem a obrigação jurídica de cooperar com órgãos e agentes da persecupção penal.
Não tem sentido adotar-se medida de caráter restritivo com alguém para
interrogatório sob o fundamento de que a pessoa não se mostrou disposta a
colaborar com o Estado", ressaltou.
Cármen Lúcia chegou
a defender o combate aos abusos que possam surgir diante da validade do
instrumento, mas votou pela manutenção da condução coercitiva. Para ela, cabe a
medida quando houver intimação prévia ignorada por parte do investigado ou réu.
"A imposição a
qualquer restrição a liberdade deve ser feita nos termos estritos da
Constituição, para que o cidadão saiba quais são seus direitos
fundamentais", disse a ministra. Ela afirmou ainda que consideraria ideal
que o Direito Penal fosse revisto, "que nem o tivéssemos mais nos moldes
do atual, que pudesse ser superado por modelo que não importe em tão grave
sessão de direitos".