É o descumprimento dos deveres jurídicos de sustento, assistência ou
amparo que dá ensejo à pretensão e à respectiva obrigação quanto aos alimentos.
Ademais, deve-se observar que os alimentos visam a “preservação do que o Código
Civil denomina ‘viver de modo compatível com a sua condição social’, além de
atender ‘às necessidades de sua educação’. A separação dos cônjuges e
companheiros nunca preserva inteiramente a ‘condição social’, inclusive quanto
aos filhos, pois as despesas que antes eram compartilhadas passam a ser
assumidas individualmente, o que significa queda do padrão anterior”[1].
O crescimento do número de divórcios e seus variados efeitos
evidenciaram a dificuldade de efetivar a regra que obriga os pais a
contribuírem, na medida de seus bens e rendimentos, ao sustento da família; mas
isso não autoriza dispensar uma distribuição adequada e razoável de tais ônus.
Assim, em relação aos pais, tal obrigação de assistência em relação aos filhos
menores dá-se sob a forma de uma “solidariedade forçada”, que deve se realçar a
partir do divórcio ou da separação[2].
A obrigação de alimentos nasce da lei e pressupõe a existência de
laços familiares entre duas pessoas. É por isso que a obrigação de prestar
alimentos não é autônoma, porquanto presuma a existência de outro vínculo
jurídico[3].
Ovídio Baptista da Silva pondera que a obrigação alimentar normalmente encontra
fundamento no Direito de Família, mas pode estar lastreada em relações
jurídicas oriundas do Direito das Obrigações ou do Direito Sucessório, como se
verifica no tocante aos alimentos indenizatórios, ou ainda de um negócio
jurídico inter vivos ou causa mortis[4].
No Direito de Família, inclusive, além dos pais, outros parentes poderão
ser obrigados a prestar alimentos a certa pessoa. Institui-se no código uma
espécie de ordem, de modo que os demais parentes só poderão ser chamados a
prestar alimentos na falta dos parentes inseridos em uma classe anterior.
Assim, os avós, por exemplo, só poderão ser obrigados a prestar alimentos caso
os pais não o possam fazer. Na prática, é raro que os alimentos sejam exigidos
além do primeiro grau na linha direta (ou seja, dos pais).
Essa diversidade de causas para a imputação do dever de prestar
alimentos, contudo, também implica na diferença do tratamento jurídico
dispensado ao descumprimento dessa obrigação. Somente enseja a possibilidade de
execução nos termos do artigo 733 do Código de Processo Civil vigente (ou
seja, acompanhada do pedido de prisão civil) a obrigação alimentar nascida das
relações de Direito de Família[5].
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou diversas vezes
pela interpretação restritiva do dispositivo processual, de modo a harmonizá-lo
com o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, pois ele “atinge
um direito indisponível do cidadão, a liberdade. Daí podendo ser aplicado,
apenas, quando se tratar de alimentos propriamente ditos”[6].
O CPC alude ao cumprimento de sentença ou decisão interlocutória que
fixa alimentos (artigo 528). Nesse caso, se “o executado não pagar ou se a
justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o
pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de
1 (um) a 3 (três) meses” (artigo 528, parágrafo 3º). Observe-se,
pois, que o novel dispositivo faz uso de um expediente adicional à prisão civil
por dívida, qual seja, o protesto da decisão judicial. Assim, ainda que a
prisão civil não seja efetivada porque o devedor evadiu-se, a decisão judicial
ganha efetividade com o registro do protesto, gerando uma restrição para o
devedor quanto ao acesso ao crédito.
Quanto ao protesto judicial em questão, destaque-se a lição de Jones
Figueirêdo Alves, decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco e renomado
civilista: “A providencia de protesto do pronunciamento judicial independerá de
requerimento prévio do credor, ou seja, será por ato de oficio; cabendo ao
juiz, em tempo imediato ao não reconhecimento de justa causa ao inadimplemento
alimentar, determinar o protesto de sua decisão sobre a mora do devedor de
alimentos. Por evidente, a providência apresenta-se cogente, não dispondo o
magistrado de poder discricionário de não mandar protestar o título
obrigacional, para além de a mesma se apresentar cumulativa, isto é, em
conjunto com o decreto judicial da prisão civil (artigo 528, c/c o seu
parágrafo 3º, CPC)”[7].
Por uma questão de justiça, deve-se ressaltar que tal regramento tem
como antecedente o pioneiro Provimento 03/2008, de 11 de setembro de 2008,
editado por iniciativa do desembargador Jones Figueirêdo Alves quando de sua
passagem pela Presidência do Tribunal de Justiça de Pernambuco[8].
Entendemos que o cumprimento de sentença ou decisão interlocutória que
fixa alimentos só poderá ensejar a prisão civil por dívida quanto aos alimentos
“propriamente ditos”. Isso por uma questão de interpretação do dispositivo em
harmonia com a regra constitucional que restringe o manejo desse expediente
jurídico. Assim, o descumprimento do legado de alimentos (artigo 1.920 do
Código Civil) não acarretará a possibilidade de prisão civil do herdeiro
inadimplente. Também não implicará na prisão civil por dívida o descumprimento
do dever de prestar alimentos às pessoas a quem o morto os devia, no caso de
homicídio (artigo 948, inciso II, do Código Civil).
Entretanto, encontra-se em uma zona cinzenta a hipótese prevista no
artigo 22, inciso V, da Lei 11.340/2006. Esse dispositivo da Lei Maria da
Penha relaciona, entre as medidas protetivas passíveis de aplicação pelo
juízo diante da denúncia de uma possível prática de violência contra a mulher,
a “prestação de alimentos provisionais ou provisórios”. O que poderia ser uma
novidade em relação à prisão civil por dívida do devedor de alimentos era a
previsão, ainda no projeto de novo CPC, de que o devedor de alimentos, a
princípio, deveria cumprir a prisão no regime semiaberto. Somente se houvesse
novo aprisionamento é que a prisão deveria observar o regime fechado. A ideia
da comissão que elaborou o projeto, ao estabelecer como regra o regime
semiaberto, era a de não afastar o devedor de alimentos de suas atividades
profissionais, o que poderia acarretar na falta de meios para prover o sustento
do alimentando e do próprio devedor e seus familiares. Contudo, tal disposição
sofreu oposição da chamada “bancada feminina da Câmara dos Deputados”, por
entender que a prisão no regime fechado “busca assegurar o pagamento imediato
da pensão”[9].
Por isso, prevaleceu no texto final do novo CPC que “a prisão será cumprida em
regime fechado” (artigo 528, parágrafo 4º), sem a alternativa do
regime semiaberto.
Como o preso em razão da dívida de alimentos deve ficar separado
dos presos comuns, caso não seja possível tal separação, havia previsão no
projeto da possibilidade de o devedor de alimentos ficar sob prisão domiciliar.
Contudo, por também entender que isso poderia reduzir a efetividade da execução
de alimentos, a bancada feminina da Câmara dos Deputados expressou sua oposição
a essa medida, de modo que o texto final não contemplou tal possibilidade[10].
Considere-se, ainda, a possibilidade de o executado justificar a
impossibilidade de prestar os alimentos, a fim de se eximir da prisão civil por
dívida e do protesto judicial. Assim, no prazo fixado pelo juízo para o
pagamento do débito (de três dias), poderá o executado apresentar justificativa
da impossibilidade de realizá-lo (artigo 528, caput). Todavia,
somente a demonstração de fato que importe em impossibilidade absoluta de
prestar alimentos justificará o inadimplemento (artigo 528, parágrafo 2º).
Mas frise-se que o comportamento procrastinatório do alimentante,
no sentido de dificultar a realização do crédito do alimentando, além de
atentar contra a boa-fé processual, poderá caracterizar um indício do crime de
abandono material, de modo que o novo CPC estipula que o juízo — verificada a
postura procrastinatória do alimentante — deverá comunicar o Ministério Público
acerca dos indícios da prática do delito de abandono material (artigo 532).
Ademais, manteve-se a regra segundo a qual o débito alimentar que
permite a prisão civil do alimentante compreende as três prestações que
antecedem o ajuizamento da execução e as que vencerem no seu curso
(artigo 528, parágrafo 7º). Também permanece a regra que fixa o valor
da ação de alimentos em um montante equivalente à soma de 12 prestações mensais
pedidas pelo autor, valor este que deverá constar da petição inicial ou da
reconvenção (artigo 292, III).
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