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terça-feira, 17 de julho de 2018

JUSTA CAUSA: O POTENCIAL CONTRAMAJORITÁRIO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL



A ideia de uma etapa prévia de investigação enquanto mecanismo racional para a apuração de certa notícia-crime, a fim de justificar a deflagração (ou não) de um processo penal contra alguém[1], surge como o maior fundamento democrático desta fase persecutória, especialmente sob um viés redutor de danos (ou dores[2]) no sistema de Justiça criminal.
Nesse sentido, tem-se que a base (jurídica) de legitimação da investigação preliminar se assenta na ideia de filtro da justa causa, “tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do acusado”[3]. Logo, a formulação válida de uma acusação criminal “deve ter por suporte uma necessária base empírica”, a fim de que “não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal”[4].
Não é diferente a lição de Badaró: “Em razão do caráter infamante do processo penal em si, em que o simples fato de estar sendo processado já significa uma grave ‘pena’ imposta ao indivíduo, não é possível admitir denúncias absolutamente temerárias, desconectadas dos elementos concretos de investigação que tenham sido colhidos na fase pré-processual”[5]. Indispensável, portanto, ao exercício regular da ação processual penal que se extraia da investigação preliminar “elementos sérios, idôneos, a mostrar que houve uma infração penal, e indícios, mais ou menos razoáveis, de que o seu autor foi a pessoa apontada” na inicial acusatória[6].
Aqui reside o potencial contramajoritário da investigação preliminar. A sua função evitadora de sofrimento desnecessário em relação a um processo penal carregado de signos sociais negativos[7]. Aliás, acusação criminal, impregnada de simbolismos, que produz efeitos indeléveis na vida do imputado mesmo quando o processo criminal resulte em definitiva sentença absolutória[8].
Nesse viés que a instrução preliminar deve ser tida como “indispensável à justiça penal”[9], forte na garantia da inocência contra acusações infundadas[10]; verdadeiro mecanismo de contenção processual penal[11].
Um ideal, contudo, que só ganha sentido concreto em um modelo persecutório criminal que não esteja comprometido com o atendimento das expectativas gerais, ou melhor, do agrado à maioria de ocasião. A desgraça não raras vezes inicia-se justamente aqui: quando se pretende dar respostas à sociedade pelo exercício do sistema criminal.
O processo penal, ao contrário, deveria “se constituir como um verdadeiro ‘limite democrático’”[12], uma marcha contrária ao clamor das multidões por castigos imediatos e exemplares. É o seu viés negativo ou de resistência que se espera em um modelo estatal (democrático) de direito.
Com razão, afirma Rui Cunha Martins que o sistema processual apenas “será um verdadeiro operador de mudança enquanto conseguir uma faceta tão impopular quanto imprescindível: ser um defraudador de expectativas”[13].
Ocorre que a nossa gênese autoritária, ainda pulsante com muita força no campo jurídico-penal, insiste na mera instrumentalização do poder punitivo, em vez de sua contenção, apesar de todas as evidências concretas de ineficácia dos objetivos declarados do sistema penal e dos números alarmantes de expansão dos processos de criminalização.
Por óbvio, nesse contexto dominado por pretensões e desejos que vêm de fora[14], tendo como afeto predominante (e sempre útil) o medo[15], qualquer potencial democrático de resistência fica absolutamente esvaziado. É o que se vê, sem qualquer tipo de exagero, suceder com a persecução criminal brasileira e, por via reflexa, com a própria investigação criminal.


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