A mídia brasileira [1] (re)afirmou neste ano que o
sistema de consórcio é uma excelente forma de propiciar a aquisição de bens e
serviços pretendidos, mesmo em um cenário de crise econômica.
Assim o consórcio, durante um período de crise econômica e política, se
mostrou eficaz propiciando uma “poupança” para que cada
consorciado obtenha, no momento oportuno, o crédito para aquisição do bem (ou
serviço) escolhido, sem as altas taxas aplicadas pelas instituições
financeiras.
Todo o sistema de consórcio nacional é disciplinado pela Lei
11.795/2008[2], e tem como órgão fiscalizador [3] o Banco Central do Brasil, que
edita normativos (especialmente circulares) para regulamentação das atividades
das administradoras.
Não obstante a citada lei federal, a adesão a contrato de consórcio tem
plena aderência ao Código de Defesa do Consumidor (se relação de consumo),
conforme autorizada doutrina:
“Destarte, não há como afastar no
campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor determinados segmentos do
mercado de consumo - serviços públicos, bancários, transportes aéreos - como
querem alguns - a pretexto de estarem disciplinados em leis especiais. (…)
As leis
incompatíveis com o Código do Consumidor, gerais ou especiais, não prevalecem,
apenas coexistem naquilo que com ele está em harmonia.” [4]
Nesse sentido é aplicável ao consumidor o direito de arrepender-se da
adesão à cota de consórcio, fundamentando-se nos termos do artigo 49 [5] do CDC, quando a adquirir “… fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone
ou a domicílio”.
O que se propõe, nas linhas
seguintes, é uma visão sobre o direito de arrependimento nas peculiaridades do
sistema e consórcio brasileiro, a fim de (especialmente) saber se
há um prazo final para que haja o pedido de arrependimento da adesão e, se
houver, se ele é juridicamente sustentável, considerando o direito do
consumidor sobre o grupo de consórcio.
Inicialmente é importante entender que o grupo de consórcio é uma união
de pessoas com objetivo em comum: adquirir bens ou serviços, mediante auxílio
mútuo. Sendo assim cada consorciado contribui para que seja formado um caixa
(denominado de Fundo Comum) de valores que mensalmente é disponibilizado para a
contemplação das cotas, nos termos do contrato firmado.
A administradora além de constituir o grupo, gere todo esse conglomerado
de aderentes e, com o valor acumulado no mês, realiza as assembleias ordinárias
de contemplações, recebendo por esse serviço.
O que importa frisar é que somente ocorrerão assembleias se os
consorciados tiverem adimplido com suas mensalidades, formando Fundo Comum
suficiente para que haja a contemplação das cotas (ou cota).
Muitos consorciados aderem à cota de consórcio no dia da assembleia por
motivos diversos [6], todavia quando não são
contemplados o interesse desaparece,
pretendendo a rescisão contratual pelo direito de arrependimento contido no
CDC.
Ocorre que entendemos que esse direito ao arrependimento do consumidor
consorciado tem como data final o dia (ou até o início) da assembleia mensal
(ou na periodicidade estabelecida pela administradora) de contemplação de
cota(s), independentemente de os sete dias terem expirado ou não.
O fundamento é simples: uma vez iniciada a
assembleia de contemplação o grupo e a administradora não mais dispõem do
numerário, sendo o valor utilizado para a contemplação de cota(s).
O consorciado que adere a cota de consórcio e depois da assembleia pede
a rescisão do contrato não pode invocar em seu benefício o direito ao
arrependimento previsto no CDC, exatamente pelo fato de que
o recurso foi utilizado, que o valor (mesmo que parcialmente) compôs Fundo
Comum em benefício de terceiro(s).
A doutrina afirma que existem limitações ao direito de arrepender-se de
um negócio pelo consumidor.
Uma vez realizada a compra (mesmo que fora do “estabelecimento comercial”) o contrato entre as partes está
perfeito e acabado.
A adesão ao serviço, a aquisição do produto, ou qualquer outro negócio
jurídico firmado gera efeitos, independentemente de pedido posterior do
consumidor sobre ter se arrependido e querer a rescisão do que fora contratado.
Quando o consumidor adere a um serviço (pacote de internet, televisão a cabo, serviço bancário, ou mesmo uma
cota de consórcio) ou compra um produto (um tênis, por exemplo), passa a ser o
proprietário, “dono” daquela coisa ou serviço (até os limites contratual e legalmente
previstos).
Se desiste, dentro do prazo previsto no CDC, deve fazê-lo devolvendo o serviço
prestado ou produto entregue.
Por certo que exemplificando com um produto a compreensão fica mais
fácil. Se a compra do tênis é cancelada, pelo arrependimento do consumidor, ele
(consumidor) deve devolver o produto em perfeitas condições, sendo a soma paga
ressarcida.
Caso o produto se perca, seja danificado, ou por qualquer outra razão
não possa ser devolvido no estado que foi recebido quando da compra, o
consumidor não pode exercer o direito de arrependimento, legalmente previsto.
Outro exemplo (dentre tantos existentes) pode ser citado: aquele que
compra um pacote de canais de televisão por assinatura de um determinado
campeonato de futebol (por exemplo), exatamente na semana da final e semifinal
e o cancela na sequência (dentro do prazo legal de sete dias) não poderá, a meu
ver, arrepender-se. O bem / serviço que adquiriu esgotou-se pelo uso e, por
isso, não pode haver direito ao arrependimento previsto no CDC.
Nesse caso o serviço não pode ser cancelado ou o produto devolvido nas
mesmas condições de quando ocorreu a aquisição / adesão, razão pela qual, o
direito ao arrependimento não pode ser exercido.
“Mas, em
contrapartida, o comprador também terá de responder integralmente pelo contrato
nesse período de reflexão. Se, por acaso, a coisa adquirida perecer, o
comprador deverá responder por sua perda, de acordo com o princípio res perit domino. Durante o prazo de reflexão,
repita-se, a compra está perfeita e acabada, o comprador é o proprietário da
coisa, e esta perece para o dono. Assim, por exemplo, se comprei um
microcomputador (notebook) pela internet e enquanto o experimento, no prazo de
reflexão, ele vem a ser furtado ou destruído em um acidente, ai já não mais
posso me arrepender. Sofro os riscos normais do proprietário, os riscos da
força maior e do caso fortuito, porquanto, repita-se, res perit domino.” [7]
Entendemos que esse seja o mesmo raciocínio que deve ser empregado no
caso de pedido de desistência de adesão a cota de consórcio após a realização
da assembleia de contemplação, uma vez que o valor pago não
mais se encontra com a administradora ou com o grupo, repita-se.
A quantia foi utilizada para a contemplação da(s) cota(s) daquele mês. O
consumidor deveria ter exercido o direito de arrependimento da compra antes do
“uso” do seu dinheiro em benefício do
grupo e daquele(s) que foi(ram) contemplado(s).
Os recursos financeiros pagos pelo consorciado foram utilizados e, sendo
assim, não pode ser simplesmente rescindido e devolvido ao consumidor
arrependido. Deve o contrato sim ser rescindido, com a devolução de valores no
momento legalmente estabelecido [8].
Impor que a administradora devolva valor que “não mais existe” é fazer com que ela retire de seu bolso uma
quantia que foi utilizada para a contemplação de cotas e não mais está à disposição,
mas foi, reitere-se, utilizado.
Partindo dessa sugestão de data limite de pedido de arrependimento
poderá se afirmar que há prejuízo aos direitos dos consumidores nessa situação.
Entendemos que esse prejuízo ao direito do consumidor deve ser analisado também
dentro do contexto e peculiaridades do sistema consorcial.
Enquanto existem consumidores pretendendo arrepender-se do negócio
jurídico firmado, tantos outros (consumidores) se encontram como consorciados
ativos que, em caso de devolução dos valores após a assembleia sofrerão
prejuízos de ordem financeira impedindo ou dificultando a contemplação de cotas
ou manutenção do grupo nos meses seguintes.
Um grupo que poderia, por exemplo, contemplar 03 cotas em um mês não o
fará, exatamente pelo fato de que há a necessidade de ressarcir aquele
consumidor que arrependeu-se após a assembleia, quando sua contribuição já
tinha sido utilizada.
Por essa razão que a Lei 11.795 afirma que o interesse do grupo
prevalece sobre o do consorciado individualmente considerado [9], exatamente pelo fato de que essa
quantidade de pessoas deve ser protegida ante o interesse de um (ou poucos) que
podem prejudicá-los.
Por fim poderá ser afirmado que nem todos os meses a arrecadação de
Fundo Comum é integralmente utilizada. Assim em determinado mês haverá Fundo
Comum remanescente para a devolução àqueles que pretendam arrepender-se.
Nesse ponto cabem duas considerações.
A primeira se refere ao fato de que, conforme informado linhas acima, o
Fundo Comum remanescente de uma assembleia é utilizado na seguinte para
propiciar a contemplação de mais cotas, beneficiando maior quantidade de
consorciados (e consequentemente de consumidores).
Sendo assim novamente invoca-se a prevalência do direito do grupo sobre
o do consorciado individualmente considerado.
O segundo ponto é que mesmo com quantia remanescente ela poderá não ser
suficiente para devolver os valores pagos a todos os arrependidos. Sendo assim
algumas perguntas surgem: se não é possível devolver a todos, se deve
beneficiar um (ou alguns) em detrimento dos demais? A Administradora deve criar
(ou o Banco Central normatizar) conceitos de anterioridade mas, nesse caso, não
estaria sendo ferida a isonomia que deve existir dentro do grupo consorcial?
Entender das peculiaridades do sistema de consórcio e de seu caráter
associativo fará com que as normas do CDC tenham maior aplicabilidade sem
prejuízos a terceiros de boa-fé.
Fixar uma “data limite”, mesmo que não
encerrados os sete dias do direito de arrependimento previsto no CDC é, a meu
ver, a melhor forma de permitir o uso da faculdade prevista na lei consumerista
e, ao mesmo tempo, impedir prejuízos a uma coletividade de pessoas (físicas e
jurídicas, muitas delas consumidoras na acepção legal) com a retirada de
valores que não mais existem por terem sido utilizados na contemplação de cotas
de consórcio.
3 Art. 6º da Lei 11.795/2008
4 Cavalieri Filho, Sérgio, Programa de direito do consumidor - 2 ed. - São
Paulo: Atlas, p. 17
5 Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a
contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre
que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do
estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
6 Estão de posse de quantia para oferta de lance; sabem que o grupo tem
boa arrecadação; já sabem qual bem ou serviço que pretendem adquirir de
imediato, etc.
7 Cavalieri Filho, Sérgio, Programa de direito do consumidor - 2 ed. - São
Paulo: Atlas, p. 146/147
8 Na contemplação da cota cancelada ou encerramento do grupo consorcial.
9 Art. 3o Grupo de consórcio é uma sociedade não
personificada constituída por consorciados para os fins estabelecidos no art. 2o.
(…)
§ 2o O interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o
interesse individual do consorciado.
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