terça-feira, 11 de julho de 2017
BRASIL VIVE CHOQUE ENTRE MODERNIZAÇÃO INSTITUCIONAL E FALÊNCIA DO SISTEMA POLÍTICO
Em
sua última passagem pelo governo, o advogado Beto Vasconcelos ficou responsável pela
regulamentação das então novas leis de combate à corrupção. Hoje, elas podem
ser apontadas como diretas responsáveis pelas intermináveis operações de
investigação de crimes financeiro, como “lava jato”, zelotes, greenfield, além
das inúmeras delações premiadas que suportam esses processos.
Para Vasconcelos, tudo isso é
resultado de um longo processo em andamento. Em entrevista, ele explica que o
momento em que se encontra o Brasil é resultado de quatro amplos movimentos:
ampliação da transparência; fortalecimento das instituições; aprimoramento
das leis; e inflexão jurisprudencial.
Mais importante que o combate a
corrupção, ele afirma que esses movimentos desnudaram “práticas profundamente
equivocadas” nas relações do setor privado com o setor público. O advogado
reconhece que há exageros, mas acredita que seja em decorrência do movimento
pendular da sociedade, hoje “fortemente direcionado a um controle e repressão
mais efetivos”.
“Em algum momento no curto ou
médio prazo, esse pêndulo vai se estabilizar numa posição de equilíbrio, em que
se permita o avanço da gestão com o devido controle”, afirma. “Mas, de fato,
enquanto esse movimento pendular estiver mais incisivo em repressão e controle,
haverá certa paralisia.”
Beto Vasconcelos é advogado e
professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV Direito Rio), onde
ele ensina sobre processo legislativo e o funcionamento dos Poderes da
República. Foi secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça,
subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil e também secretário-geral da
pasta, durante o governo Dilma Rousseff.
Leia a entrevista:
— O senhor tem defendido a tese de que o momento que vivemos hoje
vem sendo construído há alguns anos pelo amadurecimento institucional. Como
isso aconteceu?
— Por que aponta esse período como início do processo que
vivemos hoje?
— No Brasil, o processo foi o mesmo?
- O primeiro movimento é o de
transparência. Costumo usar dois exemplos, um de 2000 e outro de dez anos
depois. O primeiro é a Lei de Responsabilidade Fiscal, efetivamente um
instrumento de transparências da contas públicas, e a Lei de Acesso à
Informação, de 2011, que foi uma mudança de paradigma. Um Estado acostumado à
regra geral do sigilo, franqueando acesso em casos excepcionais, inverteu a
lógica e passou a ter regras de acesso a informação.
- Um segundo eixo é o fortalecimento
institucional. Houve a criação, em 1998, do Coaf, junto com a Lei de Lavagem de
Dinheiro. Depois o aprimoramento da Receita, com a fusão da Receita
Previdenciária com a Receita Tributária. Em 2011, mudanças importantes no Cade,
na estrutura e forma de julgamentos, nos mecanismos de investigação, criando o
SuperCade. E ainda mudanças na CGU, com o aprimoramento e aperfeiçoamento dela,
com a transformação em ministério e em cabeça do sistema de combate a
corrupção. E houve ainda a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem
de Dinheiro (Enccla), que reúne quase 70 instituições, além da criação da
Secretaria de Cooperação Internacional do MPF.
- Estamos passando também por
um processo de expansão legislativa, que são os processos de implementação
daqueles acordos internacionais dos quais somos signatários. Por isso, a Lei de
Lavagem, em 2012, o SuperCade, em 2011, a Lei Anticorrupção, de 2013, a Lei de
Combate a Organizações Criminosas, do mesmo ano, mais recentemente a Lei das
Estatais. Tudo isso tem trazido novos elementos que vêm sendo postos em prática
pelo Legislativo e pelo Judiciário, e pelos órgãos públicos de controle.
- Aliado a isso há o quarto
movimento, que é jurisprudencial. São mudanças no rumo jurisprudencial, ou da
tendência jurisprudencial. Teorias importadas e adaptadas aqui sem juízo ou
valoração específica, como a Teoria do Domínio do Fato ou a Teoria da Cegueira
Deliberada, que têm mudado a percepção do Judiciário sobre responsabilização,
inclusive em matéria penal, tendendo a sair de um movimento de
responsabilização exclusivamente caracterizada por comissão para ir também para
a omissão. Ou seja, além de fazer, com dolo ou intenção, deliberadamente deixar
de fazer algo para impedir que aquele ilícito aconteça.
— São medidas de combate, e não de controle, não?
— Numa entrevista à Folha de S.Paulo, o presidente da Queiroz
Galvão disse que, com esse excesso de controle, de “tudo que termina com U”
(como TCU, AGU, CGU), inviabiliza assinar contratos com o Estado.
— Mas isso cobra um preço.
— Um dos movimentos apontados para a consolidação desse novo
modelo foi o jurisprudencial. Pela sua análise, deixou-se de considerar apenas
atos comissivos, para se punir pela omissão também, já que estamos nesse
momento de combate e controle. Isso não é perigoso? Toda vez que forem
confrontados interesses individuais e coletivos, o indivíduo não será
derrotado?
— O que tem sido apontado hoje é justamente a contaminação
moral dos julgamentos, que tem originado teses perigosas. Por exemplo, a condenação
do deputado Paulo Maluf (PP-SP), em que o Supremo disse que a prescrição para
crime de lavagem só começa a contar depois que o dinheiro é descoberto.
— Ao mesmo tempo, temos visto um Estado bastante
pragmatista, pelo menos a parte de investigação e repressão. Como aquela fala
do juiz Sergio Moro, de que é melhor punir alguém do que ninguém. Ou a defesa
que o procurador-geral da República fez da delação da JBS, de que se não
houvesse o perdão aos executivos da empresa, os crimes não teriam sido
descobertos. Tudo se encaminha para isso, então: ou o Estado abre mão de punir
alguém ou ninguém será punido?
— Como assim?
— De todo modo, uma pergunta que se impõe é: por que no Brasil?
Outros países passaram pelo mesmo amadurecimento institucional, mudança de
leis, combate a crimes financeiros etc. Mas nenhum deles viveu esse cataclismo
que aconteceu aqui, viveu?
— Isso leva a outra questão, que talvez seja cruel. Essa
convergência ter acontecido justamente enquanto um partido de centro-esquerda
estava no poder não é bem uma coincidência. Obviamente o PT não contribuiu
muito para mudanças no sistema e talvez até tenha agido da mesma forma que os
demais partidos. Não é?
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