A cobrança de multa calculada sobre base de cálculo majorada pelos juros
moratórios em vigor no Estado de São Paulo consiste em prática arbitrária e
ilegal da Fiscalização, segundo recente posicionamento de diversos juízes do
Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda Estadual (TIT-SP).
É certo que ao deixar de cumprir com suas obrigações, o contribuinte
está sujeito ao pagamento do imposto devido e às multas previstas em lei.
Contudo, no Estado de São Paulo, as autoridades fiscais insistem em aplicar os
juros moratórios previstos na legislação estadual sobre a base de cálculo das
multas a partir de seus respectivos fatos geradores, mesmo sem haver previsão
legal para essa prática.
A conduta da fiscalização estadual faz com que o valor a ser exigido
seja distorcido, alcançando patamares que deixam de ser razoáveis. A título
exemplificativo, vale observar hipótese em que determinado contribuinte receba,
em abril de 2017, auto de infração para cobrança de R$ 100,00 de ICMS, que
deixaram de ser pagos em abril de 2012, sendo aplicada a multa de 50% do valor
do imposto pela falta do recolhimento. Nesse caso, na autuação, será exigida
multa no valor de R$ 86,28, já que a base de cálculo da multa corresponderia a
R$ 172,55, justamente em razão da Fazenda estadual considerar que a base de
cálculo da multa deve corresponder ao valor do principal atualizado pela taxa
dos juros moratórios estaduais.
Segundo os representantes fazendários, esse procedimento encontraria
amparo na interpretação conjunta dos artigos 85, prágrafo 9º, e 96, inciso II,
da Lei Estadual do ICMS (Lei 6.374/89) e do artigo 565, parágrafo 4º do
Regulamento do ICMS (RICMS-SP”). Contudo, apenas o dispositivo do RICMS-SP
determina que a atualização do valor básico para cálculo da multa será efetuada
com base nos juros de mora a partir do fato que deu origem ao imposto.
Ocorre que o artigo 85, parágrafo 9º, da Lei 6.374/89 prevê tão somente
que os valores das multas devam ser atualizados, atualização essa que deveria
ocorrer pela aplicação de índice de correção monetária, o que não existe mais
no Estado de São Paulo desde 1º de janeiro de 1999, quando a Lei 10.175/98
suspendeu a atualização monetária dos débitos fiscais. Já o artigo 96, inciso
II, Lei 6.374/89, dispõe que os juros sobre a multa devem incidir apenas a
partir do segundo mês subsequente ao da lavratura da autuação.
Não havendo previsão de índice de correção monetária na legislação
estadual, não há que se falar em aplicação dos juros moratórios. Os juros
moratórios possuem natureza distinta da correção monetária. Enquanto os
primeiros visam indenizar o credor pelo prejuízo no atraso do pagamento do
imposto, a segunda visa preservar o valor do patrimônio. Assim, tem-se como
demonstrado a ausência de previsão legal para a aplicação de juros de mora
sobre a base de cálculo da multa e, por consequência, a ilegalidade do artigo
565, parágrafo 4º do RICMS-SP, que extrapola o conteúdo da legislação estadual.
Nesse sentido, vale observar que existem recentes decisões do TIT-SP que
passaram a reconhecer a ilegalidade dessa prática. Cite-se aqui trecho de voto
vencedor em julgado da 12ª Câmara do TIT-SP, em que foi reconhecido que “a
previsão do artigo 85, parágrafo 9º da Lei 6.374/89, segundo o qual as multas
‘devem ser calculadas sobre os respectivos valores básicos atualizados’, não
pode ser aplicada sobre uma atualização monetária inexistente. Aqui o termo
‘atualização’ deve ser equiparado a ‘correção’, e não a juros, ante a grande
diferença entre esses (juros) e aqueles (atualização e correção)”.
Nesse mesmo julgado, foi reconhecido que “ainda que se pudesse equiparar
‘atualização’ a ‘juros’, o cálculo efetuado pela fiscalização esbarraria no
obstáculo do artigo 96, que veda qualquer aplicação de juros sobre a multa até
o segundo mês subsequente ao da lavratura do AIIM. Ora, se a aplicação dos
juros sobre a multa não pode ocorrer até essa data (segundo mês subsequente ao
da lavratura do AIIM), não se pode, evidentemente, sustentar a incidência de
juros em período anterior à lavratura do AIIM”.
Vale ressaltar ainda que esse entendimento é compartilhado pela 10ª
Câmara do TIT-SP que reconhece que o RICMS-SP “extrapolando sua esfera de
competência (...), determinou a incidência da multa sobre o valor do principal
após sua submissão aos juros moratórios disciplinados na Lei 13.918/09”.
Muito embora ainda não haja decisão definitiva da Câmara Superior do
TIT-SP, que reconheça a impossibilidade da aplicação dos reconhecidamente
abusivos juros de mora previstos na legislação paulista sobre a base de cálculo
das multas, o crescimento do número de julgados, ainda que se trate decisões
não definitivas, pode sinalizar futura alteração no entendimento majoritário do
tribunal em favor dos contribuintes. É importante que os contribuintes
continuem a contestar esse procedimento fiscal para que o tema seja debatido no
âmbito do TIT-SP e para que assim possam surgir mais precedentes favoráveis.
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