Antes de iniciar o arrazoado do presente artigo, destaco que não defendo
qualquer uma das pessoas envolvidas na colaboração premiada dos executivos do
grupo J&F, controladora da empresa JBS. O artigo tem como único objetivo
subsumir um caso concreto em voga a discussão de caráter eminentemente jurídico
que se restringirá a abordagem do contraditório prévio a efetivação da medida
cautelar.
Pois bem.
Os noticiários de 8 de setembro de 2017 alardearam que a
Procuradoria-Geral da República representou ao ministro Edson Fachin, relator
responsável pela homologação da colaboração premiada dos executivos da J&F,
pela decretação da prisão cautelar dos referidos colaboradores logo após a
tomada de seus depoimentos acerca do conteúdo de um áudio que, em tese,
revelaria uma reserva mental no momento da tomada dos depoimentos prévios a
homologação da colaboração premiada.
Em seguida, a competente defesa pleiteou ao ministro relator que a
decisão acerca da decretação da medida cautelar fosse precedida do
contraditório, possibilitando a defesa que se manifestasse acerca da
representação de prisão formulada pela Procuradoria-Geral da República[1].
Não obstante, o ministro Edson Fachin decretou a prisão temporária
dos colaboradores, omitindo-se quanto ao pedido formulado pela defesa no
sentido de que a defesa fosse ouvida previamente a tomada da decisão.[2]
Eis o cerne do presente artigo, cabe falar-se em manifestação prévia por
parte do representado acerca da decretação da sua prisão cautelar uma vez que,
via de regra, essa mesma sistemática não tem sido aplicada em outros casos que
envolvam a decretação de medidas cautelares?
A prisão cautelar, seja ela de natureza preventiva ou temporária, tal
como as demais medidas cautelares previstas na normativa processual penal,
admite a sua decretação inaudita altera parte, ou seja, aquela que prescinde de
um contraditório prévio desde que se trate de caso de urgência ou que este
acarrete perigo de ineficácia da medida, postergando o contraditório para
momento posterior a concretização da medida acauteladora, o chamado
contraditório diferido ou postergado.
É justamente por isso que em tempos hodiernos, a sociedade
costumeiramente tem se deparado com a deflagração de inúmeras operações
policiais voltadas ao cumprimento de medidas cautelares em detrimento daqueles
que, apenas em momento posterior a efetivação da medida constritiva, exercerão
o seu direito ao contraditório em defesa da sua liberdade.
Ocorre que, com a reforma processual trazida pela Lei 12.403/11, o
Código de Processo Penal passou a garantir em seu artigo 282, §3º, a
necessidade de se garantir o contraditório prévio a efetivação da medida cautelar,
sempre que o mesmo não acarrete prejuízo a urgência ou a eficácia da medida.
Vale dizer, a nova sistemática processual trazida pela Lei 12.403/11
disciplinou que a decretação das medidas cautelares em sede de persecução
criminal, via de regra, deverá ser precedida de contraditório prévio, exceto
naqueles casos em este acarrete prejuízo a urgência e a eficácia da medida.
Na exata medida do asseverado, veja-se o que preceitua o escólio de
Pacelli[3]:
“Embora possa parecer uma contradição
em termos, não há nenhuma incompatibilidade entre a aplicação de medidas
cautelares e o contraditório anterior à respectiva decretação.
Naturalmente, tudo dependerá da
modalidade da cautelar e do risco à sua efetividade.
A prisão preventiva, por exemplo,
poderia ser frustrada se antecipada ao investigado a sua decretação. É que não
bastam indícios da autoria e da materialidade da infração; devem estar também
presentes os riscos à efetividade da investigação ou do processo, segundo o
disposto no artigo 282, I (como substitutiva de outra cautelar) e
artigo 312 (como medida autônoma), ambos do CPP. Assim, se de fato
presentes tais situações, o contraditório para a sua aplicação poderia frustrar
a efetividade da medida. Também nos parece ser esse o caso das medidas
previstas no artigo 319, II e III (proibição de acesso a lugares e de
contato com pessoas), bem como do inciso VI (suspensão do exercício de função
pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira) e VII (internação
provisória no caso de inimputabilidade ou de semi-imputabilidade). Nessas
hipóteses, a própria Lei alude ao risco de reiteração criminosa.
Fora desses casos, porém, nada
impedirá a participação prévia do investigado ou processado na decretação da medida.
Aliás, pelo contrário, será ela (participação) recomendável, de modo a que se
esclareça ao máximo a necessidade de proteção à investigação ou ao processo.
Também nesse campo deve ter voz o princípio da ampla defesa”
Ao nosso viso, a disposição normativa prevista no artigo 282, §3º, do
Código de Processo Penal, sujeitou a autoridade judicial a fundamentar
adequadamente as decisões que decretam as medidas cautelares acerca da
inconveniência do contraditório prévio a efetivação da medida cautelar.
Nada obstante, o que se tem visto é que as decisões judiciais dessa
natureza inverteram a regra, a fim de estabelecê-la na decretação de medidas
cautelares inaudita altera parte, ainda que não esteja presente a necessidade
de se tutelar a urgência ou a eficácia da medida.
Nessa esteira, os tribunais superiores tem reiteradamente se deparado
com casos em que juízes de 1º grau confundem o seu poder discricionário em
decretar medidas cautelares de ofício, com a possibilidade de fazê-lo inaudita
altera parte, desde que evidenciada a necessidade de tutela da urgência e
eficácia da medida.
Cite-se como exemplo o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça,
que, no bojo do RHC 75.716/MG, reconheceu a ilegalidade da prisão preventiva
decretada em audiência de instrução e julgamento, sem que fosse facultada a
defesa a oportunidade de se manifestar quanto a representação formulada pelo
órgão acusador, tendo, naquela ocasião, o ministro Rogério Schietti Cruz,
prolator do voto vencedor, assim asseverado:
“Examinando o caso, não posso deixar
de concluir que beira ao autoritarismo a decisão do magistrado que, em uma
audiência, não permite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de
prisão preventiva formulado pelo agente do Ministério Público. Ainda que se
tenha como fundamenta a decisão, não vislumbro qualquer justificativa plausível
para a conduta judicial de obstruir qualquer posicionamento da defesa do
acusado, frente à postulação da parte acusadora, como também não identifico
nenhum prejuízo ou risco, para o processo ou para terceiros, na adoção do
procedimento previsto em lei.
Diante do que informam os autos,
vejo-me impelido a entender que, ao menos por prudência, deveria o juiz ouvir a
defesa, para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento ministerial. Isso
não foi feito. E não percebo, neste caso específico, uma urgência tal a
inviabilizar a adoção da alvitrada providência, que traduz uma regra básica do
direito, o contraditório, a bilateralidade da audiência.”
Também nessa toada, nos precedentes originados no HC 129.251/ES e no HC
133.894/MT, o ministro Dias Toffoli, do STF, anulou a prisão preventiva de
acusados de terem descumprido as medidas cautelares alternativas da prisão, na
forma do que preceitua o artigo 282, §4º, do Código de Processo Penal. Isso
porque, segundo o entendimento do ministro, em tais hipóteses, o contraditório
prévio revela-se indispensável a decretação da medida extrema.
In casu, há que se
destacar a maestria da defesa dos executivos da J&F que, antecipando-se a
decisão acerca da prisão, colocou os passaportes dos mesmos a disposição para
apreensão, bem como se comprometeram a comparecer a todos os atos a que fossem
intimados, fulminando, por conseguinte, a legalidade de decisão posterior que
viesse a decretar a medida cautelar sem oportunizar o contraditório prévio uma
vez que inexistente a urgência e a necessidade de se assegurar a eficácia da
medida acauteladora.
Ora, a depender do caso concreto, sempre que o acusado previamente se
colocar a disposição das autoridades para contribuir com a conveniência da
instrução criminal, sujeitando-se a aplicação da lei penal, é incabível a
decretação das medidas cautelares sem o contraditório prévio, mormente em se
tratando de prisão cautelar cuja natureza é de acessoriedade ao processo.
Essa é uma das formas de se garantir que a decretação da prisão cautelar
seja utilizada somente em ultima ratio, exatamente na medida em que pretendeu o
legislador na reforma processual trazida pela Lei 12.403/11.
Nesses casos envolvendo colaboração premiada, cujos fatos não estão mais
resguardados pelo sigilo, é de rigor a observância do contraditório prévio a
efetivação das medidas cautelares, uma vez que inexiste qualquer urgência ou
risco de ineficácia da medida ante a prévia ciência por parte dos investigados
acerca dos fatos que sobre eles recaem.
De mais a mais, o poder de cautela que deve cercar o magistrado também
recomenda que o mesmo oportunize o contraditório prévio a decretação das
medidas cautelares como forma de evitar medidas extremas que, após o
contraditório diferido ou postergado, poderão ser consideradas como
ilegais/desnecessárias pelo órgão colegiado de hierarquia jurisdicional
superior.
Nessa senda, não há dúvidas de que o caso envolvendo a prisão dos
executivos da J&F levará o órgão colegiado da suprema corte a se manifestar
quanto a legalidade da prisão cautelar decretada pelo ministro Edson Fachin,
sendo um dos pilares da discussão a necessidade de se oportunizar o
contraditório prévio a efetivação da medida cautelar, tal como pleiteado pela
defesa.
Tal como defendido no presente artigo, tratando-se de fatos que não
estão protegidos pelo manto do sigilo e tendo os acusados demonstrado uma
conduta positiva no sentido de contribuir com a conveniência da instrução
criminal, bem como se sujeitar a aplicação da lei penal, inexiste urgência ou
risco de ineficácia da medida acauteladora que autorize a tomada da decisão
inaudita altera parte.