Em 10 de janeiro de 2018, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.606, que introduziu o
artigo 20-B, na Lei 10.522/2002, segundo o qual, após a inscrição do crédito em
dívida, o devedor será notificado para pagá-lo em cinco dias e, não o fazendo,
a Fazenda Pública poderá “averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de
dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou
penhora, tornando-os indisponíveis”.
Como se observa, não se trata de previsão de simples averbação da CDA
para noticiar a terceiros acerca da existência de débitos do sujeito passivo,
como ocorre com o protesto da CDA, já admitido como legítimo pelo Judiciário
(v. g. AgRg no REsp 1109579/PR). Essa medida, que vem sendo chamada de
“averbação pré-executória”, viabiliza a indisponibilidade de bens do sujeito
passivo antes da execução fiscal e à míngua de decisão judicial, violando, como
se verá, diversos preceitos constitucionais e legais.
Primeiramente, esse dispositivo é dotado flagrante inconstitucionalidade
formal, vez que trata de uma garantia do crédito tributário, matéria essa
reservada à Lei Complementar pela Constituição Federal em seu artigo 146, III,
“b” em razão da necessidade tratamento uniforme dos créditos tributários de
todos os entes da Federação, não havendo espaço para a União (por lei federal)
ou para qualquer outro ente (por legislação local) dotar seu crédito de maiores
prerrogativas em relação aos dos demais.
Em segundo lugar, a Lei 13.606/2018 colide frontalmente com o artigo
185-A do CTN, que somente autoriza a indisponibilidade de bens do devedor
mediante decisão judicial no curso de execução fiscal e somente se ele, devidamente
citado, “não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem
encontrados bens penhoráveis”. A Lei 13.606/2018 abrevia ilegitimamente esse
rito, antecipando a indisponibilidade para uma fase pré-judicial e usurpando do
Judiciário essa função que lhe foi reservada pela Constituição (artigo 5º,
LIV), contrariando, ademais, entendimento firmado pelo STJ no REsp repetitivo
1.377.507/SP (Tema 714) e na Súmula 560.
E não é só! A despeito do afirmado pela PGFN em algumas manifestações,
esse dispositivo não complementa o artigo 185 do CTN. Ao contrário, extrapola-o
e infirma-o sob diversos enfoques.
De logo, tem-se que a presunção de fraude decorrente de alienações ou
onerações de bens realizadas após a inscrição do crédito em dívida ativa, prevista
no CTN, tem como efeito tornar ineficaz esses negócios perante a Fazenda
Pública, mas não impede suas realizações, vez que interferência dessa monta na
propriedade privada somente é admissível após o devido processo legal, conforme
disposto no artigo 5º, LIV, da CF! Por isso, a Lei 13.606/2018, quando permite
a indisponibilidade “pré-executória” de bens, inova no ordenamento jurídico,
contrariando a Constituição e o CTN.
Anote-se, também, que se o objetivo da norma é assegurar um bem para
satisfação do crédito tributário após sua inscrição – e não servir como meio
indireto e inidôneo de cobrança de tributos! –, isso já é alcançado pelo
próprio artigo 185 do CTN, que, segundo o STJ, encerra uma presunção absoluta
de fraude e ineficácia das alienações posteriores à inscrição (v. Tema 290 dos
recursos repetitivos - REsp 1.141.990/PR), podendo a Fazenda “perseguir” o bem
com quem quer que ele esteja.
Ademais, o parágrafo único do próprio artigo 185 do CTN, expressamente
prevê o afastamento da presunção de fraude se o devedor tiver patrimônio
disponível para saldar o débito. A Lei n. 13.606/2018, que não detém qualquer
ressalva similar, viabiliza a própria restrição patrimonial de bem eleito
unilateralmente pela Fazenda (em flagrante subversão pré-processual da
faculdade de indicação prevista no artigo 9º, da LEF) e sem necessidade de
qualquer indício de alienação fraudulenta ou de prévia análise de suficiência
patrimonial do devedor, em medida de total irrazoabilidade e
desproporcionalidade.
Não bastasse isso, a indisponibilidade, da forma como prevista, não está
sujeita a qualquer prazo ou marco de desfazimento! Como a sua finalidade seria
sua futura convolação em penhora em execução fiscal, que pode ser proposta ao
talante da Fazenda dentro do prazo prescricional, ocorrerá que, em termos
práticos, o bem ficará indisponível até que sobrevenha decisão judicial –
preponderantemente em mandado de segurança – determinando sua liberação.
Por fim, essas irregularidades serão potencializadas quando se pretender
aplicar a Lei 13.606/2018 em conjunto com o PARR, criado pela Portaria PGFN
948/2017 para viabilizar a imputação de responsabilidade tributária a terceiros
em decorrência de dissolução irregular de pessoa jurídica “devedora de créditos
inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN”, cujos vícios de
inconstitucionalidade e ilegalidade já tivemos oportunidade de apontar em texto
anterior!
Ao cabo desse procedimento, a pessoa natural, que muitas vezes nem terá
participado do procedimento de lançamento, sairá com responsabilidade
tributária configurada e já com seus bens bloqueados, sem que haja uma decisão
judicial amparando essas medidas!
Diante de tantos vícios, inquina-se de total invalidade a alteração aqui
analisada, promovida pela Lei 13.606/2018.