O crime de violação de direitos autorais só existe quando há provas de
que o culpado tem a intenção de lucrar com a ilegalidade. Caso contrário, a
denúncia deve ser considerada inepta. Com este fundamento, a 4ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou
apelação de um homem, condenado por ter mais de 100 CDs e DVDs
falsificados, comprados no Paraguai.
Na denúncia-crime protocolada na Vara Criminal da Comarca de Soledade, o
Ministério Público afirmou que a fiscalização da Receita Federal flagrou um
lote de CDs/DVDs escondido numa casa localizada no centro da cidade, o que
levou à detenção do dono dos discos piratas — de artistas variados.
O MP denunciou o réu como incurso nas sanções do artigo 184, parágrafo
2º, do Código Penal, segundo o qual viola direito autoral quem, no intuito de
lucro, "distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no país, adquire,
oculta, tem em depósito original ou cópia de obra intelectual sem a expressa
autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente".
Já o acusado afirmou que foi abordado por agentes da Receita
Federal num ônibus que saiu de Foz de Iguaçu (PR), na tríplice fronteira.
Disse que comprou os CDs e DVDs para uso particular, ignorando que eram
falsificados.
A Defensoria Pública arguiu a atipicidade da conduta, por entender
que o delito apontado pelo MP afronta o disposto no artigo 5º, incisos XXXIX
(segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina) e LXVIII (que
permite Habeas Corpus a quem se acha ameaçado de sofrer coação em sua liberdade
de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder), da Constituição.
Além disso, segundo a defesa, o artigo 184 seria um "tipo penal
vago e indeterminado", que ofende os princípios da legalidade,
taxatividade, proporcionalidade e intervenção mínima. Alegou, ainda, ser
aplicável ao caso o princípio da "adequação social", na medida em que
a prática de violação aos direitos autorais é conduta socialmente aceita e
tolerada.
Primeira instância
Em primeira instância, a juíza Karen Luise de Souza Pinheiro condenou o
réu, concluindo pela existência da materialidade e da autoria do delito.
Ela afirmou ser desnecessária a identificação dos titulares dos direitos
autorais violados ou de quem os represente, conforme enunciado da Súmula 574 do
Superior Tribunal de Justiça.
‘‘A alegação do acusado de que havia adquirido a mercadoria para uso
pessoal não vinga, mormente porque a apreensão de quantidade significativa do
produto evidencia que destinava-se à comercialização, incorrendo, portanto, no
delito de violação de direito autoral’’, escreveu na sentença,
A juíza não deu peso à alegação de desconhecimento da falsidade do
material apreendido nem ao argumento de que a prática deveria ser considerada
socialmente tolerável, pois a pirataria causaria "enormes prejuízos"
aos artistas e autores das obras indevidamente copiadas.
Virada no tribunal
O relator da Apelação na 4ª Câmara Criminal do TJ-RS, desembargador
Rogério Gesta Leal, reformou a sentença condenatória, dando razão à defesa. Ele
apontou que o artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, diz que o crime de
violação a direito autoral exige que o agente tenha "intuito de
lucro" — o que não ficou expresso na denúncia do MP. A peça descreve
que os CDs e DVDs são de artistas diferentes.
Segundo o desembargador-relator, o "intuito
lucrativo" não aparece nem de forma implícita na denúncia. Por
consequência, a peça inicial é inepta, uma vez que o fato criminoso não foi
retratado de forma completa.
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