A falta de registro formal de transferência de titularidade de um imóvel
não impede que o morador se oponha à penhora solicitada numa execução fiscal.
Foi o que decidiu a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, ao confirmar sentença que
desconstituiu três penhoras de imóvel que já não estava mais na posse de
um contribuinte inscrito na dívida ativa do estado. Com a decisão, a
embargante, que mora no lugar há mais de cinco anos com o marido e a filha,
continuará no imóvel.
À Justiça, a autora dos embargos, terceira interessada, argumentou
que o ajuizamento da execução fiscal pela Secretaria da Fazenda aconteceu
depois que ela comprou o imóvel. Afirmou que detém a posse "mansa,
pacífica e inconteste" do imóvel e pediu que o seu direito fosse
reconhecido, mesmo diante da ausência de registro formal da alienação na
matrícula do imóvel.
Sentença procedente
A juíza Marina Wachter Goncalves, da 2ª Vara Cível da Comarca de Bagé, deu
procedência aos embargos. Ela constatou que a compra ocorreu em 2011,
aproximadamente dois anos antes de serem averbadas as notícias de existência de
execução fiscal. Além disso, os ajuizamentos das ações de execução também
ocorreram depois da compra do imóvel pela embargante.
"A versão exposta na inicial, assim, encontra respaldo na prova
carreada aos autos, desincumbindo-se a embargante do ônus probatório que lhe
competia. Ademais, não aportou ao feito nenhuma prova em sentido contrário,
especialmente que o imóvel não serve de residência da embargante, e que, no
caso, tocava ao exequente produzir. Por conseguinte, impõe-se liberar o imóvel
da constrição promovida judicialmente", definiu na sentença.
Contrato preliminar
A relatora das apelações na 22ª Câmara Cível, desembargadora Marilene
Bonzanini, observou que não mais se aplica às execuções fiscais o entendimento
da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça, que condiciona o reconhecimento
da fraude à execução ao registro da penhora do bem alienado ou à prova da má-fé
do terceiro adquirente.
Segundo a relatora, ao caso concreto, se aplica a Súmula 84 do STJ:
"É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse
advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do
registro". Ou seja, a ausência do registro formal da transferência do
imóvel não impede a oposição à penhora providenciada na execução fiscal.
A desembargadora-relatora destacou que não se poderia invalidar o
negócio jurídico entabulado entre o devedor do fisco e a moradora do imóvel
pela aplicação da norma do artigo 108 do Código Civil. O dispositivo diz,
literalmente: ‘‘Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é
essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País’’.
É que se tratou de promessa de compra e venda, e não do contrato
definitivo. Esse último, sim, após a quitação e levado a registro, transfere a
propriedade do imóvel, demandando a forma pública. ‘‘O contrato preliminar não
precisa obedecer à mesma forma do contrato definitivo, forte o disposto no art.
462 do Código Civil’’, concluiu no acórdão, lavrado na sessão de 23 de
novembro.
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