Exigir que o trabalhador indique valores certos e determinados na
petição de uma reclamatória, como exige a reforma trabalhista (Lei 13.467/17),
fere o princípio constitucional do acesso à Justiça. No início do processo, o
reclamante não tem condições de indicar valores absolutos, por não ter acesso a
documentos que estão sob a guarda do reclamado.
O entendimento foi firmado pela 1ª Seção de Dissídios Individuais
(SDI-1) do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), ao cassar decisão
da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que havia determinado a emenda de uma
inicial para fazer constar o valor líquido das parcelas pleiteadas.
O processo, que discute diferenças de salário por desvio de função, foi
acompanhado pela seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil. O mandado
de segurança para derrubar a exigência foi impetrado pelo advogado Renato Kliemann Paese, do Paese, Ferreira e Advogados
Associados.
Conforme a nova redação do artigo 840 da CLT, a parte deve apresentar ao
Poder Judiciário pedidos certos e determinados, com indicação dos valores
atribuídos a cada um.
O desembargador João Paulo Lucena, no entanto, disse que o procedimento
determinado pelo juiz de origem traz riscos ao trabalhador, já que seu processo
pode ser extinto, sem resolução de mérito, caso os valores apresentados não se
revelem exatos.
Ele disse que caso a parte informe valores maiores que os apurados
posteriormente, poderia haver aumento proporcional no pagamento de honorários
de sucumbência, em pedidos considerados improcedentes. Por outro lado, segundo
Lucena, se os valores informados forem menores que os resultados finais do
processo, haveria prejuízo ao trabalhador, já que seus direitos seriam pagos de
forma reduzida em relação ao resultado concreto da ação.
O relator ressaltou que a decisão da SDI-1, tomada por unanimidade, não
discute a eficácia ou não da nova redação do artigo 840 da CLT, estabelecida
pela reforma. Para o desembargador, o texto ainda deve passar por mais análises
e interpretações por parte dos juízes do Trabalho.
Guarda de documentos
No entendimento do desembargador, quantificar o pedido já na petição inicial do
processo depende do manuseio de diversos documentos que, por incumbência legal,
ficam guardados pela empresa, e não pelo trabalhador. Como exemplos, o
desembargador citou recibos que servem como provas de pagamentos de salários e
de horas extras, ou controles de ponto que comprovem a jornada cumprida pelo
trabalhador.
‘‘O empregado não possui o dever legal de guardar recibos, manter
registros de horários ou os comprovantes do nexo causal do pagamento correto de
uma determinada rubrica salarial’’, explicou Lucena.
‘‘Portanto, a única possibilidade de lhe garantir o acesso à justiça é
entender que estes tipos de pedidos têm característica de pedidos genéricos e
estimativos, pois se enquadram na exceção do art. 324, § 1º, III, do CPC, uma
vez que a determinação do valor depende de ato a ser praticado pelo réu, qual
seja, a apresentação dos documentos que estão em seu poder’’, complementou.
Conforme Lucena, o processo do trabalho é marcado pela concentração e
pela oralidade dos atos processuais, e as provas são apresentadas em audiência,
sendo que apenas após estabelecida a controvérsia e decidido o pleito é que se
determinam os valores a serem quitados. Assim, antecipar esse procedimento
seria subverter a própria lógica do processo e dar causa a inúmeras
complicações no julgamento, explicou o relator.
Para o presidente da OAB-RS, Ricardo Breier, a decisão reconhece o
acesso à Justiça e regulariza o formalismo da lei, servindo de parâmetros para
tribunais de todo o país.
Já o presidente da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas
(Agetra), João Vicente Silva Araújo, disse que a decisão rompe a represa que
estava segurando diversas ações trabalhistas, evitando que os juízes de
primeiro grau continuem com o posicionamento ora reformado.
“A realidade que emerge dessa decisão, que é de vanguarda, caminha no
sentido de promover o acesso à justiça, constitucionalmente consagrado, e
impedir que ele seja vedado”, declarou. Com informações das Assessorias de Imprensa do TRT-4 e da OAB-RS.
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