Recentemente, passou a vigorar, no estado do Rio de Janeiro, a
Lei 7.787/17, por meio da qual foram promovidas alterações substanciais na
sistemática de cobrança do ICMS no setor elétrico.
O legislador, sob o pretexto de simplificar a fiscalização e arrecadação
do tributo incidente no comércio de energia elétrica no ambiente de contratação
livre, ampliou as hipóteses de substituição tributária, atribuindo às
concessionárias distribuidoras de energia a responsabilidade pelo pagamento do
ICMS devido pelos agentes vendedores de energia do mercado livre, muito embora,
nesse ambiente de contratação, as distribuidoras não negociem, tampouco vendam
energia aos consumidores.
É que, diferentemente do que ocorre no mercado cativo, no qual a energia
é adquirida da concessionária de distribuição, no mercado livre os consumidores
compram diretamente de geradores ou comercializadoras, através de contratos
mais flexíveis. Nesse cenário, as distribuidoras apenas disponibilizam ao
consumidor o acesso à rede de distribuição, por força da execução de contratos
de conexão e de uso da rede, figurando como meras “facilitadoras”, por
imposição legal, da venda de energia.
Estabelecida essa premissa, parece-nos que o estado do Rio de Janeiro se
precipitou ao atribuir responsabilidade tributária às distribuidoras,
tergiversando, em nome de um frágil apelo arrecadatório e sob o pretexto da
praticidade, o — já banalizado — instituto da responsabilidade tributária
previsto no artigo 128 do CTN, que somente permite atribuição de
responsabilidade a terceiros que possuam relação direta com a ocorrência do
fato gerador do tributo, que, no caso do ICMS incidente sobre energia elétrica,
somente ocorre com o consumo regular.
A atuação das distribuidoras não pode ser considerada como uma operação
subsequente, antecedente ou concomitante da cadeia econômica, que são as únicas
hipóteses previstas pela Lei Kandir para fins de atribuição de responsabilidade
pelo pagamento do ICMS, de modo que a regra instituída pelo estado estabeleceu
uma quarta hipótese, paralela, de substituição tributária, já apelidada de
“lateral”.
Essa ausência de vinculação direta das distribuidoras com o fato gerador
do ICMS, somado ao fato de que não recebem absolutamente nenhuma
contraprestação do consumidor pela aquisição da energia que será consumida,
evidencia, além de violação ao artigo 128 do CTN, uma patente violação ao
princípio da capacidade contributiva.
Vale chamar atenção, ainda, para o fato de que o custo pela
implementação da nova sistemática de substituição poderá ensejar um pedido de
revisão tarifária extraordinária pelas distribuidoras, com vistas à manutenção
do equilíbrio econômico e financeiro da concessão, o que acarretaria inevitável
repercussão econômica sobre as tarifas de consumo de energia.
A prática não é inédita no cenário nacional, já tendo sido adotada pelo
estado de São Paulo desde a edição do Decreto 54.177/09. Diante das
irregularidades apontadas acima, discute-se, na ADI 4.281, pendente de
julgamento no STF, a constitucionalidade da norma paulista que também
centralizou nas distribuidoras a cobrança do ICMS devido sobre sua
comercialização em mercado livre. O caso já conta com dois votos favoráveis aos
contribuintes, proferidos pelas ministras Cármen Lúcia e Ellen Gracie, que
firmaram seu entendimento no sentido de que o estado estabeleceu uma espécie de
“substituição tributária lateral”, atribuindo responsabilidade a sujeito que
não participa da cadeia econômica.
As irregularidades não param no segmento de distribuição. Afinal, os
agentes comercializadores do mercado livre podem ser igualmente prejudicados,
sobretudo do ponto de vista concorrencial, tendo em vista que, para garantir o
funcionamento da novel sistemática de substituição tributária, os consumidores
de energia são obrigados a fornecer às autoridades fazendárias, através de
(mais uma) obrigação acessória, chamada de Devec[1], os dados dos contratos de aquisição de
energia, incluindo-se o respectivo preço. Esses dados são repassados às
distribuidoras, que, mesmo sem participar da cadeia econômica, passam a
conhecer o preço praticado nesse ambiente por seus concorrentes.
Por fim, ainda que deixados de lado os aspectos jurídicos da discussão,
que levam à inevitável conclusão de que a norma é inconstitucional, também aos
olhos da praticidade não há justificativas plausíveis para a instituição da
substituição tributária pretendida pela referida lei estadual, especialmente
porque, no estado do Rio de Janeiro, há poucos agentes comercializando energia
no mercado livre, perfazendo número pouquíssimo expressivo se comparado a outros
setores da economia no qual a medida efetivamente se faz necessária.
Espera-se, de uma vez por todas, que os tribunais pátrios declarem a
inconstitucionalidade da referida prática, seja por conta dos aspectos
jurídicos envolvidos na discussão, seja por conta da ausência de praticidade
utilizada como fundamento para a substituição tributária, no caso do estado do
Rio de Janeiro.
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