Advogados reclamam,
há três anos, contra o incontroverso crescimento jurisdicional da
estagiariocracia e da assessorcracia. Esta semana, nesse viés, um novo fato
surpreendeu a advocacia gaúcha, a partir de revelação feita pelo jornalista
Jomar Martins, do saite Consultor Jurídico.
Ele noticiou a
comprovada ausência do magistrado na presidência de uma audiência, durante a
coleta da prova oral. O fato ocorreu em comarca da Região Metropolitana de
Porto Alegre.
A irregularidade já
foi reconhecida pelo TJRS que admitiu ter sido violado o princípio da
identidade física do juiz, o que leva à nulidade do ato processual.
Por isso, acolhendo
recurso da Defensoria Pública estadual, a 3ª Câmara Criminal cassou a sentença
de pronúncia criminal proferida na 1ª Vara Criminal da Comarca de São Leopoldo.
No caso, o juiz deixou a presidência dos trabalhos a cargo de uma serventuária.
A obrigatoriedade da
presença do juiz está prevista no artigo 35, inciso VI, da Lei Complementar
35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura). O dispositivo estabelece que o
magistrado deve ‘‘comparecer pontualmente à hora de
iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes
de seu término’’.
O relator do recurso
em sentido estrito na 3ª Câmara Criminal do TJRS, desembargador Diógenes Hassan
Ribeiro, nem chegou a analisar as razões de mérito que visavam derrubar a
pronúncia, acolhendo, de imediato, a arguição de nulidade processual sustentada
pelo defensor público Lisandro Luís Wottrich.
No acórdão,
analisando o teor das gravações integrantes das mídias acostadas – que contêm
os depoimentos das testemunhas e interrogatório do réu – o desembargador
Diógenes reconheceu que “há indicativos de que o juiz não tenha
permanecido presidindo o ato, mas tenha tão somente, na maioria dos
depoimentos, realizado a qualificação das testemunhas’’.
O desembargador
observou que a voz masculina — possivelmente do juiz — se intercalava com uma
voz feminina na condução das oitivas. Na primeira oitiva, em 7 de janeiro de
2015, em que foram ouvidos dois informantes e uma testemunha, o depoente foi
qualificado por voz masculina, que passou a palavra ao representante do
Ministério Público; posteriormente, a palavra foi passada à defesa por uma voz
feminina que aparentemente tinha passado a presidir os trabalhos.
O acórdão admite que
“já houve situações anteriores, na mesma comarca, em
que referida nulidade foi reconhecida, por ter o magistrado se afastado da
presidência do ato da colheita da prova oral, o que atribui ainda mais
verossimilhança ao alegado pela defesa.’’
Com o acolhimento do
recurso, a Câmara determinou a soltura do réu (que é acusado de homicídio), a
nulidade do processo desde a primeira audiência e o envio de ofício à
Corregedoria de Justiça, ‘‘a fim de adotar as eventuais medidas
cabíveis’’.
O réu foi
imediatamente colocado em liberdade, após comunicação da ordem ao Juízo de
primeiro grau.
Numa posição talvez
corporativista, o acórdão não menciona o nome do magistrado que transferiu o
comando da audiência à servidora, nem o nome desta.
Ontem (10) o Espaço
Vital entrou em contato com o fórum da comarca de São Leopoldo, onde
laconicamente obteve a informação que o processo penal em questão é de
competência do juiz José Antônio Prates Piccoli. Mas o editor constatou que,
efetivamente, a sentença de pronúncia - disponível no sistema de informações
processuais do TJRS – está firmada pelo magistrado Piccoli. (Números do
processo: 70064355217 no TJRS; 21400031998, na comarca de São Leopoldo).
“Secretário da juíza”
A transferência da
presidência de audiência a servidor do Judiciário gaúcho já tem pelo menos um
precedente, ocorrido em Porto Alegre e que foi objeto de uma denúncia
jornalística, a partir da revelação feita, à Corregedoria, pelo advogado Leo
Vinicius da Rosa Araújo. Ele não admitiu o prosseguimento de uma audiência
cível em que o secretário da magistrada, sentado na poltrona principal da mesa,
presidia os trabalhos.
A magistrada, em
seguida, processou – nas esferas penal e cível - o advogado denunciante, o
jornal e o jornalista. Os réus fizeram robusta prova da efetiva irregularidade
e as ações tiveram desfechos favoráveis aos três demandados. A juíza perdeu.
Depois pediu remoção da vara em que atuava.
Num dos
desdobramentos do caso que chegou, via habeas corpus, ao STF, um dos ministros
chegou a resumir que “este caso é uma tristeza”.
O processo cível
ainda não terminou. A magistrada vencida se conformou com a improcedência
da ação em ambos os graus.
Mas o jornalista
ainda busca, no Superior Tribunal de Justiça, derrubar o “segredo de justiça” que – no Fórum de Porto Alegre e na 9ª Câmara
Cível do TJRS – foram atribuídos ao feito. Com isso, o desfecho ainda não foi
publicado.