Uma decisão colocou em uma encruzilhada o secretário da Saúde de
Goiás. Leonardo Moura Vilela pode ser preso por desobediência se não
cumprir a determinação de fornecer fosfoetanolamina sintética, conhecida
como "cápsula contra o câncer", a uma paciente. O problema é que a
Universidade de São Paulo, que produz a substância, sequer é parte da ação.
Segundo conta a procuradora Adriane Nogueira, o departamento jurídico da
USP afirmou que só pode fornecer a substância se estiver no polo passivo
da ação. Na decisão do juiz Wilson Safatle Faiad, o estado de Goiás tem 48
horas para providenciar a fosfoetanolamina e estipulou a pena de
prisão do secretário em caso de descumprimento.
“Não sabemos o que fazer. É uma decisão esdrúxula, absurda. O secretário
não tem acesso a essa substância, que não é comercializada, apenas é produzida
em um laboratório da USP para fins de pesquisa. O estado está impossibilitado
de cumprir a decisão judicial, e o secretário sob ameaça de ser preso por uma
situação absolutamente fora de seu domínio ou responsabilidade", disse
Adriane em entrevista à ConJur.
A procuradora explica que a decisão descumpre as normas processuais,
pois os efeitos de uma decisão judicial deve atingir as partes que compõem o litígio,
sem prejudicar nem beneficiar terceiros. "A USP está sendo prejudicada sem
que lhe seja dada oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa”,
afirma.
Adriane conta que durante o recesso do Judiciário uma série de ações
iguais a essa foram julgadas procedentes pelo juiz de plantão. Após a
procuradoria entrar com agravo regimentais em todos os casos, eles voltaram aos
desembargadores. Em alguns casos, o entendimento foi revertido, mas em outros
foi mantido.
“Estou tentando conscientizar os desembargadores para o fato de que, sem
a USP como ré nos autos judiciais, essas decisões não poderão ser cumpridas. O
advogado deveria saber disso ao entrar com a ação”, afirma Adriane. Dependendo
de como esta situação se desenvolver, a estratégia da procuradoria será entrar
com uma suspensão de liminar no Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto que a procuradora aborda é o precedente perigoso que a
situação pode gerar. “É certo que existe uma pressão na área de saúde por
meio de judicialização. Já que mesmo sem estudos aprofundados e os devidos
testes que comprovem a sua segurança e eficácia, substâncias químicas com
supostos efeitos terapêuticos têm sido deferidas pelo Judiciário, não é ocioso
supor que precedentes como esse possam gerar fraudes futuras”.
Estado isento
Em outro processo, o juiz substituto em segundo grau Marcus da Costa Ferreira,
da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, indeferiu pedido de uma
mulher que pleiteava o fornecimento da substância.
“É questionável a legitimidade do estado de Goiás para figurar no polo
passivo da demanda, em razão de ser a Universidade de São Paulo uma autarquia
em pleno funcionamento, com personalidade jurídica e patrimônio próprios,
titular de direitos e obrigações, razão pela qual não se vislumbra relação de
direito material existente entre a agravante e o estado de Goiás”, decidiu
Ferreira.
Efeitos controversos
A droga era distribuída a algumas pessoas no município de São Carlos (SP), onde
um professor aposentado pesquisa seus efeitos no Instituto de Química da USP.
Depois de uma liminar do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal
Federal, determinando o fornecimento, uma enxurrada de processos passou a
cobrar medida semelhante.
Em São Paulo, o Órgão Especial do TJ cassou todas
as liminares que obrigavam a USP a fornecer a
substância. O entendimento foi que sua eficácia no combate ao câncer não está
comprovada. Paralelamente, também foram concedidas liminares em outros estados,
como Rio Grande
do Sul e Espírito Santo.
0 comentários:
Postar um comentário