Exigir a apresentação de exames médicos dos alunos que tentam uma vaga
na rede de ensino fere os direitos à intimidade e à vida privada e
ainda pode causar uma discriminação injustificada. Foi o que concluiu o
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar
inconstitucional uma lei de Barra do Piraí, município do interior do estado,
que estabelecia essa obrigatoriedade.
A Lei 2.261 chegou a ser vetada pelo Executivo, mas a Câmara
Municipal derrubou o veto, e a exigência entrou em vigor em julho de 2013,
tanto para as escolas públicas como privadas. A norma tornou “obrigatória a
apresentação, dentre os documentos necessários à matrícula para primeira série
do ensino fundamental da rede municipal de ensino [...] de exames médicos
essenciais à verificação da saúde dos educandos”.
Pela lei, os alunos ou seus responsáveis tinham um prazo de 180 dias a
contar da matrícula para apresentar os seguintes exames: eletrocardiograma,
eletroencefalograma, hemograma completo, oftalmológico revelador da acuidade
visual, exame otorrinolaringológico que revele a acuidade auditiva e
abreugrafia (radiografia do pulmão).
A constitucionalidade da lei foi questionada pela prefeitura. Na ação, o
executivo argumenta que a exigência revela “discriminação em relação à criança
que apresentar qualquer tipo de doença, ainda que de gravidade mínima”. Além
disso, fere os direitos à privacidade e à intimidade, garantidos na
Constituição.
O município contra-argumentou: disse que o objetivo da lei é concretizar
os direitos fundamentais à saúde e à educação, sendo a exigência da
apresentação de exames médicos medida preventiva para permitir melhor avaliação
pelos agentes públicos, quanto à necessidade de tratamento de saúde das pessoas
matriculadas na rede municipal de ensino.
O desembargador Mauro Dickstein, que relatou o caso, não acolheu o
argumento. “A imposição de realização de exames médicos para ingresso em
escolas vulnera o disposto no artigo 22, da Carta Estadual (e o artigo 5º, X,
da CRFB/88), que garante o direito à intimidade e a vida privada,
possibilitando discriminação injustificada, igualmente vedada pelo artigo 9,
paragrafo 1º, da Carta Estadual, padecendo de inconstitucionalidade material”,
afirmou.
Segundo o desembargador, ao determinar que a Secretaria Municipal de
Saúde priorize o atendimento dos estudantes, a lei também violou cláusula
de iniciativa reservada ao Executivo para propor leis sobre temas sob sua
administração.
“Nos termos em que veiculada, a lei inegavelmente confere atribuições e
dita procedimentos a serem adotados pelo Poder Executivo municipal, impondo a
prestação de serviço público para garantir o atendimento médico e a realização
de exames de saúde pré-admissionais a crianças e adolescentes”, afirmou.
Nesse sentido, concluiu: “Malgrado o propósito positivo do Poder
Legislativo municipal em adotar medidas preventivas quanto à necessidade de
tratamento de saúde das pessoas matriculadas na rede municipal de ensino, a
norma padece de inconstitucionalidade formal, por violar a cláusula de
iniciativa reservada que confere ao chefe do Executivo a prerrogativa de propor
leis acerca de temas indispensáveis à gestão da administração pública”. A
decisão foi unânime.
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