Versa o consagrado aforismo que "o edital é a lei do concurso
público". Essa máxima consubstancia-se no princípio da vinculação ao
edital, que determina, em síntese, que todos os atos que regem o concurso
público devem ser seguidos. O edital não é apenas o instrumento que convoca os
candidatos interessados em participar do certame, mas é também onde constam
todas as regras que poderão ser aplicadas a determinado concurso.
O edital é o instrumento que vincula, reciprocamente, a Administração e
os candidatos, nos ditames por ele fixados. Contudo, por se tratar de ato
normativo editado pela Administração, deve obediência ao princípio
constitucional da legalidade. Esse princípio tem sido modernamente concebido
como o dever de a Administração pautar suas ações sempre pelo direito, e não
meramente pela lei em sentido formal. A afronta a qualquer princípio, em razão
de sua indiscutível carga normativa, é entendida como desrespeito ao princípio
da legalidade em sentido amplo.
Foi com fundamento neste entendimento que o pleno do Supremo Tribunal
Federal fixou duas teses ao julgar o Recurso Extraordinário 898.450, que
analisava a legalidade de exclusão de candidato a soldado da Polícia Militar do
Estado de São Paulo de concurso público, por possuir tatuagem na perna, em
local que poderia ficar exposto no exercício de suas funções.
A primeira tese é de que os requisitos do edital para o ingresso em
cargo, emprego ou função pública devem ter previsão legal em sentido formal e
material. Ou seja, além do requisito formal da legislação, as previsões devem
respeitar os ditames constitucionais, mormente quando referir-se à tutela ou
restrição a direitos fundamentais. Por isso, para não ser restritivo, o edital
só poderá prever obstáculos estritamente relacionados com a natureza e as
atribuições das funções a serem desempenhadas, para o acesso a cargos públicos.
A segunda tese firmada foi que os editais de concurso público não podem
estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em
razão de conteúdo que viole valores constitucionais. Destacou o relator,
ministro Luiz Fux, que a “opção pela tatuagem relaciona-se, diretamente, com as
liberdades de manifestação do pensamento e de expressão”, asseguradas pelo
artigo 5°, da Constituição Federal. Justamente por isso, ninguém pode,
ressalvadas hipóteses específicas e absolutamente justificáveis, ser punido por
possuir pigmentação definitiva em seu corpo, sob pena de flagrante ofensa aos
mais diversos princípios constitucionais inerentes a um Estado Democrático de
Direito.
Como a liberdade de expressão não é algo absoluto, os casos considerados
excepcionais e que poderiam resultar em exclusão do certame seriam aqueles
desenhos que simbolizam ideias, valores e representações inaceitáveis sob uma
ótica plural e republicana, de símbolos largamente repudiados pela sociedade.
Nesses casos, as tatuagens demonstrariam uma adesão a ideais totalmente
incompatíveis com a própria função pública.
Apesar do posicionamento da Suprema Corte, em alguns concursos ainda há
previsões restritivas nos editais, para quem possui tatuagem. Este foi o caso
do concurso para soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A lei
estadual que determina a exclusão de candidato com “tatuagens visíveis” ainda
está em vigor. No caso, o Ministério Público moveu ação contra a determinação,
o que resultou na suspensão da primeira prova e na concessão de novo prazo para
inscrição. Desta forma, a recomendação para os candidatos é a de que, mesmo
havendo ressalvas a tatuagens no edital, a inscrição no concurso deve ser
feita. Apenas posteriormente o candidato deve buscar reverter eventual
impedimento à posse.
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