Em boa hora, o eminente ministro Luis Felipe Salomão decidiu submeter à
2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, a controvérsia
acerca do prazo prescricional para a cobrança de taxas condominiais. O
Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil) foi admitido como amicus curiae no processo.
O Código Civil Brasileiro prevê, em seu artigo 206, parágrafo
5º, I, o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança de toda e qualquer
dívida líquida constante de instrumento público ou particular. A despeito da
linguagem inequívoca do texto codificado, a controvérsia se prolonga no tempo
ao argumento de que, à míngua de dispositivo textualmente destinado às cotas
condominiais, dever-se-ia aplicar o prazo residual de dez anos, estabelecido
pelo artigo 205 do Código Civil. Tal entendimento fundamenta-se em três
equívocos capitais — sistemático, técnico-jurídico e axiológico —, a despeito
do imenso respeito que merecem seus fautores.
O primeiro equívoco é sistemático (que tem se tornado quase ideológico):
imagina-se, candidamente, que os prazos longos se associam à visão progressista
do Direito, atribuindo-se à vítima do dano o maior tempo possível para reparar
as lesões sofridas, em coerência com o viés protetivo que lhe confere a ordem
jurídica. O raciocínio, contudo, revela-se falho no contexto das relações
patrimoniais. Com a revolução tecnológica, e a inerente intensificação do intercâmbio
de informações, os prazos encurtaram-se drasticamente em benefício da segurança
jurídica.
Afinal, nos dias de hoje, não interessa ao sistema a inação prolongada
no exercício de direitos patrimoniais, a provocar a dissipação das provas e
consequentes dificuldades na prestação jurisdicional. A título ilustrativo, o
Código de Defesa de Consumidor, na hipótese de acidente de consumo — isto é,
lesão, por vezes gravíssima, à vítima vulnerável — estabelece o prazo de cinco
anos para a ação de reparação de danos (artigo 27, CDC). Daí ser coerente
com o sistema o prazo de cinco anos para a cobrança de dívidas oriundas da
autonomia privada, como é o caso da repartição de despesas entre proprietários
livremente reunidos em regime condominial.
O segundo equívoco é técnico-jurídico: afirma-se que o prazo quinquenal,
nesse caso, não é expresso, já que o aludido artigo 206,
parágrafo 5º, I, não se refere textualmente a despesas condominiais. Ou
seja, busca-se silogismo textual que, no âmbito da autonomia privada, é
simplesmente impossível e indesejado pelo legislador, diante do princípio da
atipicidade dos negócios jurídicos. Objeta-se, contra esse entendimento, que,
por se tratar de obrigação propter rem, a fonte da taxa
condominial seria a lei, e não a convenção de condomínio, a justificar assim o
afastamento do prazo quinquenal. O argumento não colhe, já que o Direito
Positivo, em última análise, serve de fonte para todo e qualquer contrato. A
lei escrita, afinal, é fonte do Direito, e não somente das obrigações. A
obrigação propter rem, como se sabe,
origina-se da titularidade real, incorporando-se ao patrimônio do seu titular,
como verdadeira e própria obrigação.
O dever jurídico-legal primário de repartição de despesas condominiais,
portanto, não exclui a fonte obrigacional, estabelecida na convenção, pela qual
se regula, de modo assemblear, a dinâmica da vida em comum; as despesas,
ordinárias e extraordinárias, bem como o consequente pagamento, pelos
condôminos, das respectivas cotas, que não poderão, à evidência, contrariar a
lei (assim como ao locatário e ao locador residencial não é dado violar as
previsões imperativas incidentes sobre a locação residencial).
O terceiro equívoco, de natureza axiológica, pressupõe que o
prolongamento dos prazos prescricionais atenderia ao princípio constitucional
da solidariedade social. A função social do condomínio reclama justamente o
contrário. Em nome da função social da copropriedade, os condôminos contribuem
para a vida comunitária e, conseguintemente, o síndico tem o dever de fazer as
cobranças de modo ágil, para evitar a deterioração das estruturas comuns.
Dispõe de cinco anos para fazê-lo! Por isso, viola a função social da
propriedade o inadimplente (assim como os demais condôminos que se omitem na
cobrança e o síndico relapso), sendo inquietante admitir-se que o
inadimplemento de taxas condominiais, em sacrifício dos demais condôminos,
possa servir de substitutivo oblíquo para políticas sociais de acesso à moradia
e distribuição de rendas.
O Superior Tribunal de Justiça tem liderado a reconstrução
jurisprudencial do Direito Privado nas últimas décadas. Mostra-se alvissareiro
que possa agora definir o paradigma pelo qual a segurança jurídica deixe de ser
considerada um desvalor e o exercício zeloso de direitos (especialmente
coletivos) seja reconhecido como pilar da solidariedade constitucional.