Na relação médico-paciente, a prestação de informações corretas e
suficientes sobre o diagnóstico, a proposta de tratamento e os riscos
existentes em eventuais procedimentos cirúrgicos constitui direito do paciente
e de seus representantes legais, já que tais informações são necessárias para o
convencimento e a tomada de decisão sobre a intervenção médica. A falta dessas
informações representa falha na prestação do serviço e, somada a elementos como
o dano e o nexo causal, gera o dever de indenização por danos morais.
O entendimento foi estabelecido pela 4ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e, por
maioria, fixar indenização por danos morais de R$ 200 mil a um paciente e seus
pais, devido à falta da prestação de informações suficientes que permitissem
que a família pudesse decidir adequadamente sobre tratamento neurocirúrgico. A
indenização deverá ser paga pelo médico e pelo hospital.
“O dano indenizável, neste caso, não é o dano físico, a piora nas
condições físicas ou neurológicas dos pacientes. Todavia, este dano, embora não
possa ser atribuído a falha técnica do médico – e que parece mesmo não ocorreu,
conforme exsurge dos autos –, poderia ter sido evitado diante da informação
sobre o risco de sua ocorrência, que permitiria que o paciente não se
submetesse ao procedimento”, afirmou no voto vencedor o ministro Luis Felipe
Salomão.
Procedimento diferente
De acordo com os autos, o paciente procurou o médico porque apresentava
tremores no braço direito, decorrentes de traumatismo crânio-encefálico ocorrido
após acidente em 1994. Na consulta, realizada em 1999, o médico sugeriu um
procedimento cirúrgico que teria anestesia local e duração máxima de duas
horas.
Segundo os autores da ação judicial, o paciente chegou calmo e
consciente ao hospital, mas, após a cirurgia, nunca mais voltou a andar,
tornando-se dependente de cuidados, inclusive para se alimentar.
Para a família, houve erro médico e foi feito um procedimento
cirúrgico diferente da proposta oferecida pelo cirurgião responsável, com a
aplicação de anestesia geral, sem que houvesse a prestação de informações
adequadas à família.
Direito de decidir
O magistrado de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos de reparação por
danos morais e materiais, com sentença mantida pelo TJ-DF. Segundo o tribunal,
a perícia técnica concluiu que não houve erro médico e, além disso, atestou que
a piora clínica do paciente ocorreu por uma série de fatores, de forma que não
seria possível atribuir exclusivamente ao ato cirúrgico o motivo do agravamento
do seu estado de saúde.
O ministro Luis Felipe Salomão destacou que, no contexto médico, o dever
de informação tem relação com o direito que possui o paciente, ou seu
representante legal, de decidir livremente sobre a execução de práticas
diagnósticas ou terapêuticas.
Esse dever, lembrou, encontra limitações em hipóteses específicas, como
no caso da comunicação ao próprio enfermo que possa lhe provocar algum dano,
mas as ressalvas não se aplicam aos representantes legais, que têm o direito de
conhecer o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento
em todas as situações.
O ministro apontou que, embora não haja no Brasil legislação específica
que regulamente o dever de informação e o direito ao livre consentimento na
relação médico-paciente, o Código de Defesa do Consumidor disciplina regras
capazes de proteger o sujeito em estado de vulnerabilidade. Em seu artigo 6º, o
CDC prevê como direito básico do consumidor a obtenção de informação adequada
sobre diferentes produtos e serviços, incluindo os eventuais riscos que possam
apresentar.
Dever profissional
Salomão destacou que o TJ-DF, ao manter a sentença, concluiu que, apesar de não
ter havido documentação das informações eventualmente repassadas ao paciente,
esse fato não poderia significar que a comunicação não tenha sido efetivamente
realizada, mesmo porque toda cirurgia envolve riscos.
“Diante desse panorama jurídico, a meu ver, os fundamentos e os fatos
apresentados pelas instâncias ordinárias não se mostram aptos a demonstrar o
cumprimento pelo médico recorrido de seu dever de informação acerca dos riscos
que evolviam as práticas terapêuticas utilizadas para alegada melhoria no
quadro clínico do recorrente”, apontou o ministro.
Segundo Salomão, o fato de toda cirurgia implicar riscos é exatamente a
razão do dever de informação pelo profissional de medicina, que, de forma
especificada, precisa alertar sobre as adversidades dos procedimentos
implementados para o tratamento de determinado paciente. Para o ministro, no
caso julgado, houve falha na prestação das informações, o que gera o dever de
reparação dos danos extrapatrimoniais.
Acompanhando o voto do ministro Salomão, o colegiado fixou a indenização
por danos morais de R$ 100 mil para o paciente e de R$ 50 mil para cada um de
seus pais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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