A despeito da fecunda literatura processual brasileira
acerca da técnica da antecipação da tutela, a questão da incidência da verba
honorária sobre a condenação que aquela impõe ao demandado ainda carece de mais
detido exame.
Conforme bem ressalta Bruno Vasconcellos
Carrilho Lopes (Honorários
advocatícios no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2008, pág. 144 e
segs.), sempre que for possível apurar no processo o benefício econômico
proporcionado pela autuação do advogado, “é sobre o valor desse benefício que
os honorários devem ser calculados”. Tal interpretação decorre de uma análise
conjunta do artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil,
com o artigo 22, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia, pela qual, em
qualquer situação, os honorários devem ser compatíveis, “com o trabalho
realizado e o valor econômico da questão...”.
Esta correta exegese, como se sabe,
alicerça-se na clássica doutrina de Chiovenda, sustentada em sua famosa
monografia La condanna nelle spese giudiziali (Torino, 1901), a qual,
por sua vez, inspirou o legislador pátrio, ao secundar, no artigo 20 do Código
de Processo Civil, o denominado princípio da causalidade.
Assim, é responsável pela condenação na
sucumbência a parte que deu causa ao processo sem ter razão. Aquele que sai
derrotado tem a obrigação de pagar as despesas processuais e, ainda, os
honorários advocatícios a que faz jus o patrono do vencedor.
Ocorre que esta solução, aparentemente
simples, passa a ser mais complexa quando a condenação de pagar quantia
precipita-se no tempo por força de decisão antecipatória da eficácia da futura
sentença de mérito.
Em inúmeros pronunciamentos dos
tribunais afirma-se que os honorários advocatícios devem corresponder a
determinado percentual exclusivamente sobre o valor da condenação imposta na
sentença. Despreza-se, portanto, oquantum desembolsado pelo réu em atendimento aos
termos do provimento antecipatório.
Assim, por exemplo, se o demandado
estiver obrigado, ao longo da tramitação do processo, a arcar com as despesas
médicas e de fisioterapia necessárias ao restabelecimento da vítima de ato
ilícito, sobre estas despesas, muitas vezes significativas, não incidem
honorários advocatícios.
Contudo, dúvida não há de que este
entendimento, a meu ver, descortina-se redondamente equivocado, até porque a
antecipação da tutela nada mais representa do que a eficácia da própria futura
sentença de procedência, adiantada no tempo, em benefício do autor, que
conseguiu, initio litis, comprovar a plausibilidade de sua
pretensão.
A esse respeito, havia, salvo engano,
pouquíssimos precedentes, como, e. g., aquele da 12ª Câmara Cível do
TJ-MG, no julgamento unânime da Apelação Cível 1.0145.05.215399-9/001, que
decidiu com precisão: "... Quanto à ausência do cômputo dos honorários
sobre o valor recebido em decorrência da tutela antecipada, razão assiste ao
apelante, pois o perito, em seu laudo, aplicou percentual de honorários tão
somente sobre a diferença final apurada... Desta forma, não resta dúvida de que
os cálculos apresentados deverão ser revistos, computando-se os honorários
advocatícios, arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação,
sobre o valor recebido em decorrência da tutela antecipada, e sobre a diferença
final apurada...”.
Apreciando esta importante questão, tem-se
agora notícia de que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo tal
irrepreensível orientação, ao ensejo do julgamento do Recurso
Especial 1.523.968-RS, reconheceu, por unanimidade, que o percentual
fixado na sentença deveria também incidir sobre valores incontroversos
depositados por ordem do juiz, a título de tutela antecipada, e não somente
sobre o valor remanescente fixado na condenação.
O tribunal de origem (TJ-RS) decidira
não ser possível que a honorária recaísse sobre a quantia depositada em juízo,
mas, tão-somente, sobre a parte complementar da condenação imposta na sentença.
Com argumentação consistente e
interpretação elogiável, sob todos os aspectos, o signatário do voto condutor,
ministro Marco Aurélio Bellizze, que, pelos seus dotes de experiente jurista,
exorna o STJ, asseverou: “Em resumo, não vejo como possa ser atendido o comando
do art. 20, § 3º, do CPC, que preconiza que ‘os honorários serão fixados entre
o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o
valor da condenação’, se aqui não forem incluídos os valores antecipados ao
credor, uma vez que se tem por condenação a totalidade do êxito alcançado pela
parte com a propositura da ação. Diante de tudo o que foi dito, entendo que o
princípio da causalidade resolve o problema instaurado na sentença e que
excluiu o dever de se pagar honorários sobre o montante já levantado à título
de tutela antecipada. É sabido que se no curso da lide o réu atende à pretensão
deduzida pelo autor - hipótese do art. 269, II, do CPC -, deve ele arcar com as
despesas do processo, pois deu causa ao ajuizamento da ação (REsp. 480.710-ES,
relator o ministro Barros Monteiro, DJ de 13.06.2005). Isso não é outra coisa
que não a aplicação, pura e simples, do princípio da causalidade. De acordo com
o princípio da causalidade, a parte que deu causa à propositura da demanda deve
responder pelos encargos dela decorrentes. Esse postulado norteia a
responsabilidade pelas despesas advindas do processo e resolve várias questões
concretas atinentes ao dever de arcar com as verbas honorárias e que fogem
àquelas hipóteses comumente vistas no cotidiano”.
E, destarte, firme nestas premissas,
arrematou o ministro Marco Aurélio Bellizze: “Sendo assim, encerro meu voto
convicto de que os honorários advocatícios devem recair sobre todo o proveito
financeiro auferido pela recorrente na ação de cobrança que foi compelida a
ajuizar. À vista do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial a fim
de determinar que o percentual dos honorários advocatícios fixados na sentença
de primeiro grau incida sobre a totalidade dos valores considerados pelo Juízo
de primeira instância como devidos à recorrente por força do sinistro ocorrido
no imóvel segurado pelo recorrido”.
Conclui-se, pois, que toda condenação
adiantada pelo decreto de antecipação da tutela compõe o objeto da pretensão
deduzida pelo demandante, a qual, sem qualquer dúvida, não fosse o deferimento
da antecipação, integraria, a final, a sentença de procedência do pedido.
Desse modo, justifica-se plenamente a
incidência da regra do artigo 20, parágrafo 3º, do Código
de Processo Civil sobre a condenação de pagar imposta por ato decisório de
natureza antecipatória.
0 comentários:
Postar um comentário